À frente de tropas saubarenses, um padre aposentou temporariamente a batina e se tornou mais um guerreiro pela Independência da Bahia, em Saubara. O nome dele era Manoel Pereira. "Esse foi um dos grandes personagens que não saem na historiografia oficial, porque você só ouve falar em Santo Amaro e Cachoeira. O Recôncavo é uma constelação, não duas estrelas", diz Bel Saubara, pesquisador da história local.
Depois
da declaração da independência por Dom Pedro I, em 7 de setembro de 1822,
conflitos entre governos e tropas locais emergiram na Bahia. Mas só a minoria
das batalhas e dos heróis da liberdade são lembrados. Nesta página, você vai
conhecer cinco personagens e fatos que também marcam o 2 de julho, quando a
independência é finalmente conquistada.
“Quanto
mais estudamos sobre a Independência da Bahia, mais descobrimos que menos sabemos”,
diz Fábio Batista, mestre em História, que tem se dedicado a enaltecer fatos
esquecidos da nossa Independência. Você sabia, por exemplo, que Caetité, no
sertão da Bahia, viveu uma onda de expulsão de portuguesas em 1823? Conheça
mais dessas histórias nas caixas de textos.
MANOEL: O PADRE QUE
COMANDOU TROPAS EM SAUBARA
Manoel
José Gonçalves Pereira nasceu em Maragogipe, mas foi em Saubara, cidade a 77
quilômetros de distância, que ele entrou para a história da luta pela
Independência na Bahia. O maragogipano chegou no município para trabalhar como
padre, em 1812, e seria lembrado para sempre pela memória local como guerreiro,
segundo relatos de historiadores, como Cândido Costa da Silva.
Quando
as batalhas pela independência têm início na Bahia, em especial no Recôncavo do
estado, ele assume o comando à frente das tropas saubarenses. O padre escreveu
ao menos 21 cartas sobre batalhas que participou em Saubara, que estão em posse
do Arquivo Público do Estado da Bahia e podem ser consultadas por qualquer
cidadão.
Uma
das lutas que ele narra aconteceu, ao que tudo indica, em 19 de novembro de
1822, na ponta de Saubara. A peleja se alongou por seis horas, com o padre na
linha de frente, dando os comandos.
Os
portugueses tentavam quase diariamente, naquele mês, dominar Saubara, mas a
resistência local impediu o avanço definitivamente dos invasores. Em 1826,
Padre Manoel foi agraciado com o titulo de Cavalheiro da “Ordem de Cristo”.
"Esse
padre foi um dos grandes personagens que não saem na historiografia oficial,
nos jornais, porque tem a disputa de narrativa e você só ouve falar em Santo
Amaro e Cachoeira. Mas quando se fala da palavra Recôncavo é uma constelação,
não duas estrelas", diz Bel Saubara, pescador e pesquisador da história
local.
PAU CABELUDO: O SAGRADO E
PROFANO DE CACHOEIRA
Às
6h do dia 1º de junho, uma salva de 21 tiros com fogos de artifícios anuncia: é
o momento da Levada dos Paus da Bandeira. A tradição consiste em conduzir dois
troncos adornados com ramagens que serão fincados no bairro do Caquende e o
outro na Rua da Feira. Eles simbolizam os marcos territoriais da então Vila de
Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Em meio ao trajeto, escuta-se:
"lá vai o pau cabeludo".
"Evidente
que essa nomenclatura é de inteira responsabilidade popular e evidencia o
espírito satírico verificado em outros momentos do cotidiano festivo das
cidades do Recôncavo Baianos. Portanto, “pau cabeludo” é o dizer profano sobre
a “sagrada” Levada do Pau da Bandeira" explica Fábio Batista, mestre em
História pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
Concluído
o cortejo, as filarmônicas se recolhem, exceto uma: a Lira Ceciliana, que segue
até o Terreiro de Candomblé Loba Nekum. Lá tem início os rituais ligados ao
Caboclo Juremeira, a entidade indígena patrona do terreiro.
Os
músicos da filarmônica param de executar os dobrados e silenciam em lugar do
som dos instrumentos sagrados, como o rum, rum-pi e rum-lé, que irrompe da
“casa de santo”.
ANTÔNIO, UM ADVOGADO PELA
DEMOCRACIA
Antônio
Pereira Rebouças é outro maragogipano que participou da guerra pela
independência, mas em Cachoeira. Nascido em 1798, filho de um português com uma
escravizada liberta, entrou para as batalhas no dia 26 de junho, mas na parte
estratégica.
Com
a criação de uma Junta Interina, Conciliatória e de Defesa, uma espécie de
governo paralelo instalado em Cachoeira, Antônio passou a ser secretário do
grupo. Quando a Junta Conciliatória foi ampliada para Comissão de Administração
da Caixa Militar, para todas as vilas do Recôncavo, Rebouças renunciou ao cargo
de secretário para dar oportunidade de representação para outras vilas.
"Demonstrando
um espírito democrático, com a clara intenção de unificar este governo paralelo
recém-criado na Vila da Cachoeira", afirma o historiador Manoel Passos
Pereira.
Antônio
também escreveu o livro Recordações Patrióticas, no qual relata o surgimento e
as dificuldades dos pelotões patrióticos que culminaram com a vitória
brasileira em 2 de julho de 1823. Para Manoel, Antônio se une ao patamar de
Maria Quitéria, Maria Felipa, Pedro Labatut e Lord Cochrane.
A LUTA EM MARAU
A
região hoje conhecida como Baixo Sul da Bahia teve participação decisiva nos
enfrentamentos das tropas portuguesas, ainda em 1822. Em 8 de setembro daquele
ano, o primeiro tenente da Armada Real, Domingos Fortunato, recebeu a ordem de
ir à vila de Marau, de onde deveria embarcar para Salvador com farinha e bois
para abastecer as tropas portuguesas.
Salvador
passava por uma crise de abastecimento de alimentos e Marau e adjacências
tinham uma importância fundamental no abastecimento da cidade. Ao chegar no
porto da vila de Maraú, no entanto, Fortunato viu cerca de 300 homens armados.
Cinco
dias depois, Fortunato tentou mais uma vez levar a carga até Salvador, mas
sofreu uma nova investida dos partidários da independência. Naquele intervalo
de poucos dias, as pessoas de Marau tiveram tempo de se organizar com novas
armas.
Cercado,
Fortunato não conseguia avançar e os moradores de Marau tomaram sua embarcação
e armas, naufragaram a embarcação, além de o obrigarem a libertar os
escravizados. “A derrota dos portugueses se deu de forma lenta, mas
progressiva, e graças à conjunção de esforços da população”, explica Alex
Costa, professor da pós-graduação em história da Ufba.
RESISTÊNCIA NO SERTÃO: A
BATALHA DE MATA MOURO
Caetité,
no Alto Sertão baiano, enviou guerreiros, mantimentos e animais para as
batalhas pela Independência no Recôncavo da Bahia. Segundo os relatos locais,
até pólvora foi enviada pelo município.
O
clima na cidade, à época uma vila chamada Príncipe Santana, era de tensão entre
nativos e os portugueses que viviam no local entre 1822 e 1823. Um dos períodos
mais bélicos - mas quase desconhecido da historiografia oficial sobre a
Independência da Bahia – é chamado de “Enfrentamento Mata Mouro”.
Consequência
do acirramento da tensão foi o assassinato de um português, cujo corpo ficou
jogado na porta da igreja, como afronta ao padre da época, alinhado às ideias
portuguesas. Portugueses que viviam na então vila se desfizeram dos seus
patrimônios e fugiram, com medo de que fossem os próximos. O Enfrentamento
ainda resultou em mais mortes, saqueamentos e tomadas de propriedade.
"Foi
um ato sangrento e de enfrentamento radical, junto com rio de Contas, foram
enfrentamentos que tornaram verdadeiros polos de enfrentamento no alto sertão
da Bahia", explica Edmilson de Brito Gomes, historiador nativo de Caetié e
especialista em restauro.
A
vila que originou Caetité tinha vários revoltosos contra o regime português.
"A manifestação é genuinamente participada pela vila local, pela
insatisfação diante das políticas desenvolvidas pela coroa portuguesa",
continua o pesquisador.
Depois
da Independência, o avô de Castro Alves, José Antônio da Silva Castro,
considerado um dos heróis da Independência, passa a morar em Caetité, onde se
casa com Joana, grande proprietária de terras.
Fonte:
https://www.correio24horas.com.br/minha-bahia/o-padre-que-comandou-tropas-e-causos-desconhecidos-do-2-de-julho-0723.
Acesso em 04/07/2023
0 Comentários