Foram resgatados
207 trabalhadores contratados por uma empresa para prestar serviços para
vinícolas gaúchas durante a colheita da uva. O caso veio à tona em 22 de
fevereiro, quando três trabalhadores procuraram a polícia após fugirem de um
alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. Eles
relataram, ainda, nos depoimentos ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), terem ficado sujeitos a situações de agressão com choques elétricos e
spray de pimenta, cárcere privado e agiotagem.
Os
trabalhadores foram contratados pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio à
Gestão de Saúde LTDA para trabalhar na colheita da uva. A empresa oferecia a
mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa
Garibaldi, Salton e produtores rurais da região.
O
administrador da empresa, Pedro Augusto Oliveira de Santana, chegou a ser preso
pela polícia, mas pagou fiança e foi solto. As vinícolas que faziam
uso da mão de obra análoga à escravidão devem ser
responsabilizadas, de acordo com o MTE. Quase todos já receberam
as verbas rescisórias a que tinham direito, em um valor que, somado,
ultrapassou R$ 1 milhão.
A empresa rejeitou a
proposta de acordo apresentada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para
pagamento de indenizações individuais aos 207 trabalhadores. Os
representantes legais disseram não reconhecer o trabalho em condições
semelhantes à escravidão.
Nos
depoimentos, a que a RBS TV teve
acesso, os trabalhadores, a maioria da Bahia, disseram ainda que:
·
Eram acordados aos gritos de "acorda, demônio, vai trabalhar", entre 4h30 e
5h, de domingo a sexta-feira, por funcionários da pousada em que ficavam;
·
Também eram chamados de
"demônio" com frequência por funcionários armados encarregados de
vigiá-los;
·
Ouviam ofensas xenófobas como
"baiano bom é baiano morto" e chegaram a ser agredidos
com choques elétricos,
cadeiradas, socos e spray de pimenta;
·
A jornada de trabalho, na prática,
era de 15 horas diárias, com intervalo de uma hora para almoço. Os relatos
apontam que a comida era fria e azedava porque era levada de manhã por um
funcionário e mantida sem refrigeração;
·
A única folga era aos sábados, embora
o combinado, inicialmente, afirmam, era que o domingo também seria dia livre de
trabalho;
·
Os dormitórios na pousada não tinham
lençóis, estavam em mau estado, com banheiros sujos e chuveiro frio;
·
O trabalho envolvia colher uva em
parreirais e carregar e descarregar caminhões nas vinícolas;
·
Sem receber o salário de R$ 2 mil
mensais combinados, pegavam adiantamentos com o dono da pousada, Fabio
Daros, que lhes cobrava, segundos os depoimentos, juros de 50%.
Assim, a antecipação de R$ 100 resultava em dívida de R$ 150, por exemplo, o
que configura agiotagem. Um dos trabalhadores relatou dívida de R$ 1.950 com
Daros, após ter pego R$ 1,3 mil antecipados; o g1 ligou para Daros na sexta
(3). Ele não atendeu à reportagem;
·
Segundo os depoimentos, eram
obrigados a comprar de um mercado próximo, apontado como sendo também de Pedro
Santana, que os contratou; no local, os preços eram superfaturados: um pacote
de biscoito chegava a custar R$ 15. Um saco de pão, R$ 10. Já um sachê de suco
em pó, R$ 4.
Em
nota na quinta-feira (2), a Fênix, de Pedro Augusto Oliveira de Santana, disse
que sempre reconheceu e protegeu "a dignidade de todos os seus
colaboradores através do respeito, seriedade e cumprimento, de forma rigorosa,
dos ditames da lei". Falou ainda que está apurando "qualquer suposta
irregularidade" com base no relato dos trabalhadores e que não aceita
"qualquer tipo de trabalho ilegal". Por fim, informou ter
"compromisso em esclarecer os fatos".
Por
meio de uma carta aberta, a Vinícola Aurora – uma das três que usaram mão de
obra análoga à escravidão durante a colheita da uva em Bento Gonçalves,
na Serra do Rio Grande do Sul – pediu desculpas aos
trabalhadores resgatados e se disse envergonhada.
"Os
recentes acontecimentos envolvendo nossa relação com a empresa Fênix nos
envergonham profundamente (...) Gostaríamos de apresentar nossas mais sinceras
desculpas aos trabalhadores vitimados pela situação. Ninguém mais do que eles
trazem, nos ombros curados pelo sol, o peso de uma prática intolerável, ontem,
hoje e sempre", diz um trecho da nota.
A nota
vem depois que, na última terça-feira (28), a Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e Investimentos (ApexBrasil) suspendeu a participação
da Aurora, além da Cooperativa Garibaldi e Salton, de suas atividades.
A
ApexBrasil é um serviço social autônomo vinculado ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que promove os produtos
brasileiros no exterior.
Em
nota à imprensa, a Cooperativa Garibaldi disse que "repudia qualquer prática
que afronte o respeito ao ser humano ou comprometa sua integridade".
Já a
Vinícola Salton, em nota à imprensa, afirma que “repudia, veementemente,
qualquer ato de violação dos direitos humanos".
Fonte:
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/03/04/acorda-demonio-vai-trabalhar-baiano-bom-e-baiano-morto-a-rotina-de-humilhacoes-de-trabalhadores-em-condicao-analoga-a-escravidao-no-rs.ghtml.
Acesso em 04/03/2023.
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