Vivi para ver São Paulo e Rio de Janeiro falarem “oxe” e “oxente”. Há 20 anos, quando saà de Recife e cheguei à capital paulista, os termos pejorativos em relação aos nordestinos eram praticados a rodo. Todo mundo tinha uma forma depreciativa de chamar o nordestino: era “baiano”, “paraÃba”…
Nordestinos
e seus filhos não podiam se afirmar positivamente; eu mesma tive o meu sotaque
vilipendiado por uma falsa ideia de que as pessoas não conseguiam entender o
que estava falando. Engraçado que nunca vi o mesmo acontecer com um “gringo”.
Conforme
isso acontecia, pude observar que as heranças italiana, japonesa e judaica eram
ostentadas de forma a mostrar superioridade quanto à minha “nordestinidade”.
Isso não mudou tanto, mas, sim, houve um deslocamento. Hoje é possÃvel ver
muita gente de São Paulo falando “oxe”, “oxente”, muito “de boa” em um
restaurante nordestino comendo carne seca (charque) e, por que não, votando em
um presidente nordestino, filho do sertão pernambucano, que foi objetivamente
quem trouxe, recentemente, o Nordeste para um lugar de positividade.
Eu
vi o maracatu entrar em São Paulo, da mesma forma que vejo a expansão das
festas juninas e do forró num formato menos estereotipado. A discriminação
e a xenofobia contra os nordestinos já foi mais massiva; hoje ela é mais
facilmente localizada após seu movimento do espectro cultural para o
polÃtico, numa dinâmica que se retroalimenta: da cultura/sociabilidade para a
polÃtica/institucionalidade.
Infelizmente,
a xenofobia é reintroduzida a cada ano eleitoral, evidenciando a
posição polÃtica de quem a pratica. Há muitos fatores históricos e econômicos
que ajudam a compreender a geografia do poder polÃtico no Brasil. Numa breve
análise, penso na substituição da influência polÃtica e econômica do Nordeste —cana-de-açúcar
e cacau— pela “República do café com leite”, concentrada no Sudeste do
paÃs, e nos consequentes fluxos migratórios, intensificados na década de 1970
pela fuga da seca na região.
Penso,
também, na galeria de presidentes nordestinos da história do Brasil —Deodoro da
Fonseca, Floriano Peixoto, Epitácio Pessoa, Aurélio Tavares, Café Filho, José
Linhares, Castelo Branco, José Sarney, Fernando Collor— e no fato de todos
serem filhos da oligarquia polÃtica nordestina, branca e rica. Esses nordestinos
foram “possÃveis”, sem xenofobia.
O
que está em questão aqui são as distinções de raça e classe —além de gênero,
obviamente: não há uma única mulher citada acima. As oligarquias nordestinas se
assentam no poder sem embaraços, mas Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é
exatamente a pessoa que traz consigo o nordestino sertanejo de origem
afroindÃgena. E aÃ, parece, já é demais.
Fonte: https://www.geledes.org.br/xenofobia-e-o-nordeste/.
Acesso em 17/10/2022.
0 Comentários