A
frase, pelo que consta, nem sequer fora escrita pelo jornalista, poeta, tribuno
e advogado. Mas ela entrou no curso de ações como parte do seu discurso e da
lógica da defesa paradigmática do seu trabalho em defesa de homens e mulheres
escravizados injustamente pelo sistema jurÃdico brasileiro, de viés escravista.
Acaso
não se encontre a prova dessa frase lapidar, há outra que, além de escrita, foi
publicada por ele, em jornal, em 16 de dezembro de 1880, para protestar contra
o covarde assassinato de quatro negros na cidade de Três Rios, no estado
do Rio de Janeiro: “O escravo que mata o senhor, que cumpre uma prescrição
inevitável de direito natural, e o povo indigno, que assassina heróis, jamais
se confundirão”.
Até
mesmo o romancista Raul Pompeia, amigo de Gama, parece corroborar a ideia ao
escrever em alusão ao advogado negro: “Perante o direito, é justificável o
crime de homicÃdio perpetrado pelo escravo na pessoa do senhor”.
Luiz
Gama vem sendo paulatinamente resgatado pela história e pela academia, tudo
isso graças a estudiosos como LÃgia Fonseca Ferreira e Bruno Rodrigues de Lima
–ela, professora associada ao Departamento de Letras da Universidade Federal de
São Paulo, a Unifesp; ele, advogado e historiador, doutorando em história do
direito pela Universidade de Frankfurt, da Alemanha.
A
professora LÃgia Ferreira é uma incansável estudiosa do tribuno negro Luiz Gama
há algumas décadas. Depois de várias obras e estudos, ela acaba de republicar
“Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e do Rio
de Janeiro”, pelas Edições Sesc. Já Bruno Rodrigues de Lima lança um outro
livro capital, “Liberdade”, com artigos do autor e jurista baiano, nascido
livre em 1830, em Salvador, e morto na capital de São Paulo, em 1882, portanto
seis anos antes da abolição da escravatura.
Rodrigues
de Lima também organizou “Democracia”, também pela editora Hedra. Aliás, o
pesquisador trabalha com a edição de 750 textos, 600 deles ainda inéditos –o
que ainda deve gerar outros oito volumes, a serem publicados, igualmente, pela
mesma editora, dentro da rubrica de “obras completas”.
Ambos
os livros são parte do inventário deixado por Luiz Gama nos jornais e petições
jurÃdicas, que a cada ano vêm sendo coletados e postos à disposição do público
admirador do trabalho legado pela trajetória do abolicionista brasileiro.
Eu
sou admirador confesso de Luiz Gama —ao lado de José do PatrocÃnio—, certamente
o mais radical dos nossos abolicionistas, defendendo sob ameaças à própria
vida, sem garantias de subvenção financeira, homens e mulheres, africanos ou
nascidos no Brasil, contra a ilegalidade da escravidão.
Ano
passado prefaciei “Luiz Gama: A Saga de um Libertador”, da editora Peirópolis,
escrito pela psicóloga e educadora Magui, morta em janeiro.
Este
tem sido o mote do estudo e das coleções de artigos reunidos por Ferreira. Já
Rodrigues de Lima tem pautado sua análise da obra do baiano na abordagem da
violência policial, trazendo à tona textos de Gama sobre abusos de poder,
sobretudo na cidade de São Paulo do século 19.
É
patente que ainda está subdimensionada a posição do grande intelectual e
abolicionista Luiz Gama na história do abolicionismo no Brasil.
Gama,
como se sabe, nasceu livre, na Bahia, filho da lendária Luiza Mahin, e foi
escravizado pelo próprio pai, um suposto fidalgo de origem portuguesa, que o
vendeu aos dez anos de idade para pagar dÃvidas de jogo. A mãe, segundo o
próprio Gama, “era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto
retinto e sem lustro, tinha os dentes alvÃssimos como a nove, era muito altiva,
geniosa, insofrida e vingativa”.
No
último dia 24, Luiz Gama completou 140 anos de morte. Ele morreu na capital
paulista, aos 52 anos, vitimado pelo diabetes. Em reverência à sua memória, sua
vasta obra precisa ser publicada e lida.
DisponÃvel em: https://www.geledes.org.br/eu-sou-admirador-confesso-de-luiz-gama-o-patrono-do-abolicionismo-no-brasil/.
Acesso em 03/09/2022.
0 Comentários