Duzentos anos da Independência: a importância das lutas populares no processo de emancipação do Brasil

 

Salvador fez uma festa emocionante no último dia 2 de julho. É tradição antiga, interrompida pela pandemia. Após dois anos de pausa, as casas foram enfeitadas e a multidão voltou para a rua.

Os baianos comemoram o 2 de julho desde 1824 porque eles sabem que a vitória lá foi fundamental para a conquista da Independência do Brasil.

Em janeiro de 1823, as marisqueiras e outros moradores de Itaparica conseguiram evitar o desembarque dos soldados portugueses nas praias da ilha, ponto estratégico na Baia de Todos-os-Santos. Salvador estava tomada pelo exército português.

“Foram os marinheiros negros que fizeram o boicote na Baía de Todos-os-Santos, impedindo que a comida, os alimentos viessem do Recôncavo para Salvador”, explica o historiador e escritor Laurentino Gomes.

Somente no dia 2 de julho de 1823 acabou a ocupação portuguesa na Bahia. O Império do Brasil nasceu em uma guerra com cerca de 4 mil mortes. Os confrontos aconteceram antes e depois de setembro de 1822.

A população começou a enfrentar e a expulsar as tropas portuguesas em agosto de 1821, em Pernambuco. No início de 1822, explodiram os conflitos na Bahia. Em 1823, as batalhas aconteceram no Piauí. E logo depois no Maranhão e no Pará, onde lideranças políticas decidiram apoiar as tropas de PortugalMontevidéu, hoje capital do Uruguai, pertencia ao Brasil, e lá a guerra só acabou em fevereiro de 1824.

O professor da USP e historiador João Pimenta calcula que, na época, os exércitos dos dois lados mobilizaram mais de 60 mil homens e que 2% dos habitantes do Brasil se envolveram de alguma forma nestas lutas. Hoje seriam 4 milhões de pessoas.

“Imagine então se essas guerras fossem hoje. Ninguém poderia ignorá-las. Elas foram parte importantíssima da história do Brasil”, diz João Pimenta .

Os túmulos de um cemitério no interior do Piauí são de heróis anônimos da Batalha do Jenipapo, sertanejos que não sobreviveram ao confronto em 13 de março de 1823.

“As forças portuguesas estavam consideravelmente mais bem preparadas. Elas estavam armadas, tinham 11 canhões, tinham munição à vontade, eram armadas com mosquetes, e o Exército brasileiro contava com um pouco mais de alguns fuzis e algumas foices e alguns facões”, conta o professor Johny Santana de Araújo, da Universidade Federal do Piauí.

Os combates no Piauí tiveram a participação dos antepassados de indígenas da etnia Tabajara. Batalhas em outras regiões também tiveram guerreiros com arco e flecha entre as tropas brasileiras.

Nos principais monumentos da Independência no Rio, em São Paulo e na Bahia, figuras indígenas ganharam destaque.

“São símbolos, mas que não correspondiam à realidade. Os indígenas reais, da vida real, foram sistematicamente ignorados, privados de seus direitos, tiveram sua cidadania precarizada conforme a formação do Estado nacional”, explica o professor João Paulo Peixoto, do Instituto Federal do Piauí.

“Os próprios que tiveram junto com os índios lutando tentaram também de certa forma também tirar os índios da jogada e ficar com a independência só para eles, com o território só para eles”, diz o líder indígena Cícero Tabajara.

“Durante o próprio processo de independência, alguns de seus destacados participantes se empenharam ativamente, foram muito bem-sucedidos, na criação de uma versão para aquilo que eles estavam fazendo. Que versão era essa? A independência do Brasil seria um processo político pacífico. De modo que as próprias guerras foram desaparecendo, mas os pesquisadores desde sempre mostraram que as guerras existiram, foram importantes e muito impactantes na própria formação da nacionalidade brasileira”, afirma o professor João Pimenta.

Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/09/06/duzentos-anos-da-independencia-a-importancia-das-lutas-populares-no-processo-de-emancipacao-do-brasil.ghtml. Acesso em 06/09/2022.

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