Na cena, um imponente príncipe Pedro (1798−1834), bem
vestido e do alto de um garboso cavalo, empunha a espada às margens do rio
Ipiranga. Muita gente em volta testemunha o acontecimento histórico.
Na prática, contudo, nada disso ocorreu. E nem o 7 de
setembro de 1822 foi tratado com a importância que depois a história lhe
reservaria.
"Não há nenhum registro contemporâneo do ocorrido
naquele dia, se analisarmos os jornais da época. A imprensa do Rio de Janeiro,
gradativamente ao longo daquele mês, noticiou um acirramento da ideia de autonomia [do Brasil]. Mas
não houve uma narrativa organizada", pontua o historiador Marcelo Cheche Galves,
estudioso de jornais do período e professor na Universidade Estadual do
Maranhão.
"Independência ou morte"
Então príncipe regente, Pedro havia
deixado o Rio de Janeiro em agosto e empreendido viagem à província de São
Paulo com o objetivo de reforçar alianças e acalmar os ânimos de parte da elite
incomodada com o cenário político que se desenhava. No dia 2 de setembro, em
reunião presidida pela princesa Leopoldina (1796−1826), o Conselho de Estado
tomou o partido de que o melhor para o Brasil seria a separação de Portugal.
Cartas foram escritas e um oficial
encarregado de entregá-las a Pedro, nas terras paulistas, para fazê-lo saber do
contexto. O encontro ocorreu no Ipiranga, já que o príncipe e sua comitiva
estavam retornando de uma viagem a Santos. No dia seguinte, no Pátio do Colégio
− na época, sede do governo paulista −, ele fez um discurso, informando os
poderosos locais sobre a situação de ruptura.
"Após retornar ao Rio de
Janeiro, depois da viagem a São Paulo, a data de 7 de setembro não foi
noticiada na imprensa, muito menos comemorada. É importante lembrar que nem
mesmo Dom Pedro fez menção a qualquer declaração de Independência na
proclamação pública que dirigiu aos paulistas em 8 de setembro de 1822",
ressalta a historiadora Cecilia Helena de Salles Oliveira, professora na
Universidade de São Paulo (USP), autora do recém-lançado Ideias em
Confronto − Embates pelo Poder na Independência do Brasil e
coorganizadora do Dicionário da Independência do Brasil.
A historiadora lembra, contudo, que,
nesse pronunciamento, o monarca "pediu que todos tivessem como lema a
frase 'independência ou morte' e que se mantivessem em alerta em relação a
possíveis confrontos pela presença e pela ação de grupos políticos que
defendiam propostas diferentes da separação de Portugal e da monarquia".
Galves lembra que a independência
brasileira foi um processo, não algo ocorrido da noite para o dia. Nos
registros da imprensa, há indicativos fortes disso. Em junho, Pedro convocou
uma assembleia com o objetivo de elaborar a primeira Constituição brasileira.
"Por isso, em 1º de agosto, jornais em Londres publicam que isso já
significava a independência", pontua o historiador.
Naquele contexto, contudo, a data
magna da Independência do Brasil acabaria sendo o 12 de outubro. Aniversário de
24 anos de Pedro, foi nesse dia que ele acabou aclamado imperador. "Houve
um decreto transformando o Reino do Brasil em Império, ainda dentro do Reino
Unido [de Portugal]", diz Galves.
O
7 de Setembro instituído por Dom Pedro
O 7 de Setembro acabaria sendo recuperado e valorizado a
partir do ano seguinte. Em discurso na Assembleia Constituinte, em 3 de maio de
1823, o já imperador Pedro 1º escolheu frisar a importância dos acontecimentos
em São Paulo.
"Foi o próprio Dom Pedro que criou a memória do dia 7
de Setembro", aponta Oliveira. "Era uma maneira de valorizar sua ação
e, particularmente, sua autoridade. Essa narrativa de Dom Pedro acabou por
instituir a memória com a qual aprendemos a conhecer a Independência até
hoje."
"Ali ele organizou o passado da maneira como nós
temos conhecimento", afirma Galves. Em seu discurso, o monarca referiu-se
aos paulistas como "brioso povo" e qualificou a província como
"agradável e encantadora".
"[Por meio da declaração, Pedro] afirmava que teria
sido ele próprio o responsável pela decisão de ruptura da unidade
luso-brasileira", salienta a historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra,
professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo
publicado na Revista Brasileira de
História em 1995.
No pronunciamento, o imperador afirmou que "a nossa
independência foi lá [em São Paulo] primeiro que em alguma parte proclamada, no
sempre memorável sítio do Piranga". E também citou que ali "fui pela
primeira vez aclamado imperador".
Lyra analisa que a intenção teria sido provocar "um
tom de afirmação categórica com a intenção de dirimir dúvidas existentes ou
criar uma nova interpretação sobre o fato definidor da proclamação da
Independência e da aclamação do imperador". Mas lembra que essa narrativa
"permaneceu, no entanto, ainda por um tempo sem repercussão, não
encontrando eco imediato nos registros da época".
Sete
de setembro ou 12 de outubro?
Segundo o pesquisador Paulo Rezzutti, autor de, entre
outros, Independência: A História Não Contada,
o Brasil tinha uma dupla comemoração, em 7 de setembro e em 12 de outubro, pelo
menos até 1831. "O 7 de setembro era comemorado como uma data mais
militar. O 12 de Outubro, como uma data festiva nacional, com a ideia de que
naquele momento o povo havia escolhido o seu primeiro monarca",
contextualiza.
"O 7 de Setembro, inicialmente, era apenas uma data
de referência. O celebrado como emancipação política era o 12 de Outubro, como
data principal", comenta o historiador Paulo Henrique Martinez, professor
na Universidade Estadual Paulista.
"Essa segunda data começou a ser apagada da história
a partir da abdicação de Dom Pedro [em 7 de abril de 1831], porque os deputados
e senadores não queriam mais associar a Independência à data que também era
aniversário de Dom Pedro", acrescenta Rezzutti. "O 12 de Outubro
começa gradualmente a ser esquecido e a dar lugar ao 7 de Setembro."
Ao mesmo tempo, diversas narrativas memorialísticas passam
a ser publicadas, reforçando o episódio ocorrido às margens do Ipiranga. Por
exemplo, um relato atribuído ao padre Belchior Pinheiro de Oliveira
(1775−1856), integrante da comitiva da viagem de Pedro a São Paulo e visto como
conselheiro do nobre.
Em seu texto, ele fez constar o diálogo que teria ocorrido
naquele momento e enfatizou que as palavras do então príncipe diziam "nada
mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de
Portugal". O problema é que esse relato foi publicado apenas em 1826, ou
seja, quatro anos após o fato − e com um contexto ideológico já mais assentado.
O imaginário demorou para se cristalizar, evidentemente.
"A construção sobre o episódio da Independência tomou corpo em meados do
século 19, na forma de homenagens, análises e descrições", diz Martinez.
"A tela de Pedro Américo [Independência
ou Morte], sua exposição e sua divulgação, acabou dando a
visibilidade e fixando a imagem, com toda a cenografia e a postura altiva que o
quadro representa."
Texto sugerido por: Eduardo
Conceição Braga da Silva, estudante do
2º ano do Ensino Médio da Escola São Luís, Muritiba - Bahia.
Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/a-import%C3%A2ncia-inventada-do-7-de-setembro/a-63004495?maca=bra-dp_squid_TEXT_ptbra_brazil-32261-xml-mrss. Acesso em 05/09/2022.
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