Quando soube que o motivo do
telefonema era convidá-la para protagonizar Cleópatra, Taylor declinou o convite. Mais do que
emendar um trabalho no outro, queria férias. O executivo da Fox, porém, não se
deu por vencido. Outros nomes já tinham sido cotados para o papel: Brigitte
Bardot, Kim Novak, Marilyn Monroe... Mas ele queria Liz Taylor!
Diante da
insistência do produtor, a atriz pediu um cachê impensável para a época: US$ 1
milhão. Tinha certeza de que, de tão absurdo o valor, Wanger mudaria de ideia.
Mas, para a surpresa da atriz, e desespero do presidente do estúdio, Spyros
Skouras (1893-1971), o produtor aceitou a proposta.
A primeira
exigência da atriz, tão logo assinou o contrato, foi trocar o diretor: no lugar
de Rouben Mamoulian (1897-1987), escalou Joseph L. Mankiewicz (1909-1993). Foi
assim que, aos 27 anos, Elizabeth Taylor tornou-se a primeira estrela de
Hollywood a ganhar US$ 1 milhão por um único papel.
Mais de 40 atrizes já interpretaram a rainha no cinema
A
Cleópatra de Elizabeth Taylor pode ter sido a mais famosa, mas não foi a
primeira. Desde que a americana Theda Bara (1885-1955) deu vida a uma de suas
mais antigas versões cinematográficas, em 1917, ainda no cinema mudo, pelo
menos outras 40 atrizes, como a francesa Claudette Colbert (1903-1996), a
britânica Vivien Leigh (1913-1967) e a italiana Sophia Loren, interpretaram a
rainha de origem greco-macedônica.
No Brasil, quem emprestou seu talento e sedução à
personagem foi a atriz Alessandra Negrini. Cleópatra (2007) foi rodado em apenas 19 dias (no
longa, o diretor Júlio Bressane transformou a Praia de Copacabana no Rio Nilo)
e conquistou seis Candangos no Festival de Brasília, incluindo os de melhor
filme e atriz.
"Em moedas de bronze
cunhadas em Alexandria, a rainha do Egito apresenta um nariz proeminente,
queixo pontudo e pescoço comprido", descreve Tais Pagoto Bélo, mestre em
Arqueologia pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp).
"Imagina-se que Cleópatra
tenha sido uma mulher muito bonita, mas poucas fontes antigas fazem menção à
sua aparência. Beleza é um conceito cultural que pode variar no decorrer do
tempo. O que era considerado belo para os egípcios do tempo de Cleópatra pode
não ser para o brasileiro do século 21".
Em grego, Cleópatra quer dizer: 'Glória de sua raça'
Controvérsias à parte, o que faz de Cleópatra a mulher
com a história de vida mais vezes adaptada para o cinema, o teatro e a TV?
Cleópatra Thea Philopator ou, simplesmente, Cleópatra 7ª (69-30 a.C.) nasceu em
Alexandria, a então capital do Egito. Filha de Ptolomeu 12 e Cleópatra 5ª, teve
cinco irmãos: dois homens, Ptolomeu 13 e Ptolomeu 14, com quem se casou, um de
cada vez, e três mulheres, Trifena, Berenice e Arsínoe.
"O casamento entre irmãos
era uma prática comum na época", explica Priscila Scoville, doutoranda em
História Antiga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
"Em geral, os Ptolomeus
tinham a propensão de matar seus irmãos para angariar mais poder. Culpar
Cleópatra pela morte deles é uma resposta fácil para os conflitos da época, mas
não necessariamente justa".
Ao todo, foram 7 Cleópatras e 15
Ptolomeus. Ptolomeu 1°, o fundador da dinastia, foi um dos principais generais
de Alexandre, o Grande. Por essa razão, os Ptolomeus herdaram o Egito quando
Alexandre morreu, em 323 a.C. Seu império, por ocasião de sua morte, abrangia
da Grécia à Índia.
A título de curiosidade, foi
Ptolomeu 2° quem mandou construir, por volta de 280 a.C., o Farol de
Alexandria, de cerca de 140 metros de altura. Uma das Sete Maravilhas do Mundo
Antigo, sua luz podia ser vista a 50 quilômetros de distância. Ganhou esse nome
porque foi erguido na Ilha de Faros.
Quando Ptolomeu 12 morreu, em 51
a.C., Cleópatra, então com 18 anos, seguiu a tradição e se casou com seus dois
irmãos: primeiro, com Ptolomeu 13, de apenas 10 anos e, depois, em 47 a.C., com
Ptolomeu 14, de 12. Ambos tiveram morte trágica: Ptolomeu 13 morreu afogado
enquanto tentava fugir do Egito pelas águas caudalosas do Nilo; e Ptolomeu 14,
envenenado, muito provavelmente pela própria irmã.
"Quando Cleópatra assumiu o trono, herdou um
reino endividado. A luta pela soberania do Egito foi uma constante em sua vida.
Tanto que, depois de sua morte, o país se tornou província romana",
explica Raisa Sagredo, doutoranda em História Global pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) e youtuber do canal Contando a História.
"A imagem de Cleópatra como femme fatale é
anterior às produções de Hollywood. Foi construída por historiadores do mundo
greco-romano que escreveram sobre sua vida séculos depois de sua morte. O
estereótipo da rainha sedutora acabou por ofuscar os atributos da estrategista
que chegou a financiar as campanhas militares de Marco Antônio".
Um destes historiadores foi o
grego Plutarco (46-120 d.C.). Na biografia que escreveu sobre Marco Antônio por
volta de 150 d.C., retratou o casal como "depravado". Plutarco não
foi o único. Cleópatra foi chamada de "rainha prostituta" por
Propércio (47-14 a.C.), "monstro fatal" por Horácio (65-8 a.C.) e
"vergonha do Egito" por Lucano (39-65 d.C.).
"Nenhum outro ícone feminino
histórico sofreu tanto preconceito quanto Cleópatra", afirma Bélo.
Romance inspirou Virgílio, Shakespeare e Bernard Shaw
Mais do que ter desposado dois
irmãos, Cleópatra entrou para a história, entre outras façanhas, por ter sido
amante de dois dos mais poderosos homens da época: o ditador Júlio César
(100-44 a.C.) e o general Marco Antônio (83-30 a.C.).
"No fim do século 1 a.C.,
Roma era a senhora incontestável do Mediterrâneo. E o Egito, a última grande
monarquia independente", explica Fábio Morales, doutor em História Social
pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de História Antiga da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
"O que Cleópatra fez? Adotou
uma estratégia bastante usada por reis e rainhas do período: o casamento. Sua
união com César e, depois, com Antônio era uma forma de unir as linhagens
egípcia e romana. Era uma chefe de Estado usando as estratégias disponíveis na
época para garantir a segurança de seu país".
Cleópatra e Júlio César se conheceram
em 48 a.C. Ela tinha 19 anos e ele, 52. O primeiro encontro foi, para dizer o
mínimo, inusitado.
Por ser menor de idade, Ptolomeu
13 governou com a ajuda de três conselheiros: Teódoto, Potino e Aquilas. Os
tutores do garoto se uniram para expulsar a rainha do Egito. No exílio,
Cleópatra arquitetou um plano para aliar-se a Júlio César, que estava de
passagem por Alexandria, sem ser morta pelos súditos de seu marido-irmão.
Com a ajuda de um servo chamado
Apolodoro, foi enrolada num tapete e levada, escondida, até os aposentos de
Júlio César. Ao desenrolar o tapete, o imperador romano ficou sem palavras.
Para tristeza de Calpúrnia, a mulher de Júlio César, ele e Cleópatra tiveram um
filho: Ptolomeu 15 César, mais conhecido como Cesário.
Muitas lendas urbanas foram
forjadas sobre Cleópatra. Uma insinua que ela teria uma legião de amantes.
Outra que, por incontáveis vezes, teria participado de orgias.
"A ideia da mulher sedutora
que conquistou muitos homens parece equivocada", avalia Scoville.
"Os casamentos com os irmãos
foram puramente políticos. Fora deles, se relacionou apenas com Júlio César e
Marco Antônio e, ao que tudo indica, se manteve fiel aos dois."
O romance com Júlio César, porém,
durou pouco: em 15 de março de 44 a.C., ele foi assassinado ao pisar no Senado.
Entre os conspiradores, seu filho, Brutus. Quando soube da morte do amante,
Cleópatra tratou de voltar para o Egito.
Morta aos 39 anos: suicídio ou assassinato?
Com a morte de Júlio César, Marco
Antônio tornou-se o homem mais poderoso de Roma. Ele conheceu Cleópatra em 41
a.C. na cidade de Tarso, na Turquia. A rainha egípcia estava a bordo de um
barco, com popa de ouro e remos de prata, enfeitada como Afrodite, a deusa
grega do amor e da beleza. Ao som de flautas, alaúdes e oboés, meninos vestidos
como Cupido, o deus do amor na mitologia romana, abanavam a rainha com plumas
de avestruz.
Não à toa, Marco Antônio caiu de
amores. Tanto que, a pedido dela, ordenou a morte de Arsínoe, sua irmã mais
nova. Logo, Cleópatra tornou-se a única filha viva de Ptolomeu 12 com
legitimidade para ocupar o trono do Egito.
A exemplo de Calpúrnia, Fúlvia, a
mulher de Marco Antônio, também fazia vistas grossas para as infidelidades do
marido. Cleópatra e Marco Antônio tiveram três filhos: Alexandre, Selenéia e
Filadelfo. Em 34 a.C., Marco Antônio dividiu as terras conquistadas pela legião
romana entre as três crianças. E mais: concedeu a Cleópatra o título de Rainha
dos Reis, e a Cesário, o de Rei dos Reis.
As chamadas "Doações de
Alexandria" despertaram a ira de Otávio que declarou guerra a Marco
Antônio. Os dois se enfrentaram na Batalha Naval de Ácio, em 31 a.C. Derrotado,
Marco Antônio suicidou-se, cravando a ponta da espada contra o estômago.
As tropas de Otávio tomaram
Alexandria. Cleópatra ainda tentou seduzir o invasor, mas o sujeito resistiu
aos seus encantos. Feita prisioneira, tirou a própria vida, deixando-se picar
por uma áspide, uma cobra venenosa do Egito. Morreu em 30 a.C., aos 39 anos.
Até hoje, não se sabe ao certo onde a última rainha do Egito teria sido
sepultada.
"A tumba de Cleópatra
continua sendo um dos grandes enigmas da Antiguidade", afirma Gisela
Chapot, doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e
pesquisadora do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional (UFRJ).
"Uma das teorias mais
aceitas defende que estaria no templo da Deusa Íris na Ilha de Faros. Toda a
ilha, bem como o Farol de Alexandria, foram tragados pelo mar em um terremoto
em 1375".
Tão intrigante quanto o local de
sua sepultura, prossegue a historiadora, só mesmo a causa de sua morte.
"Segundo os autores
clássicos, Cleópatra teria optado pelo mesmo destino de Marco Antônio para
manter sua dignidade até o fim e não ser vilipendiada pelas ruas de Roma",
justifica.
A egiptóloga americana Kathlyn Cooney acredita, porém,
na tese de assassinato.
"Cooney diz que a teoria do
suicídio pode ter ligação com a propaganda pejorativa feita por Otávio",
explica Chapot.
"O suicídio de uma mãe no
Egito era considerado uma atitude execrável porque abandonava a prole à própria
sorte. Essa versão contribuiu para acentuar o damnatio memorie ("condenação da
memória") de Cleópatra e manchar sua imagem no Egito".
"Cleópatra é uma espécie de
'Eva' histórica", define Morales.
"A mulher que corrompeu dois
generais romanos e, por essa razão, deve ser odiada. Cleópatra é fascinante
como a mulher que desafiou o império e, ao mesmo tempo, é edificante, do ponto
de vista machista, sobre o que acontece com as mulheres que ousam fazer
isso".
Nova versão cinematográfica foi acusada de 'embranquecimento'
Mais de dois mil anos depois de
sua morte, a mulher que governou o Egito por 21 anos acaba de ganhar mais uma
versão para o cinema. A próxima atriz a interpretá-la é a israelente Gal Gadot,
famosa pelo papel de Mulher-Maravilha.
"Uma história que será
contada pela primeira vez através dos olhos de mulheres", tuitou no dia 11
de outubro de 2020.
O roteiro da grega Laeta
Kalogridis será inspirado em Cleópatra: Uma Biografia (Zahar), best-seller escrito pela
americana Stacy Schiff. Vencedora de um Pulitzer, a autora dedicou cinco anos
de sua vida a esmiuçar a trajetória de Cleópatra. Descobriu que, mais do que
sedutora e atraente, sua biografada era culta e inteligente. Tinha o dom da
oratória e falava nove idiomas. Ainda dominava filosofia, matemática e
astronomia.
O anúncio da
cinebiografia, porém, gerou controvérsias, com acusações de ser mais
um caso de whitewashing. O
termo, que pode ser traduzido como "embranquecimento", faz referência
à escalação constante de atores brancos para interpretar personagens de outras
etnias, como negros, latinos e asiáticos.
"Cleópatra jamais se colocou
como uma mulher subserviente. Pelo contrário. Escreveu seu nome na história
como uma das governantes de maior destaque político e militar", afirma
Chapot.
"Numa época em que nós,
mulheres, ainda precisamos lutar cotidianamente por nossos direitos e espaços,
falar sobre Cleópatra empodera e dá voz a um grupo social por muitas vezes
invisibilizado na história, escrita majoritariamente por homens de uma elite
dominante que não pouparam esforços para calar e apagar o protagonismo feminino
ao longo do tempo."
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-62481085. Acesso em 21/08/2022.
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