O levantamento foi realizado pela Penssan (Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), que
envolve seis entidades parceiras. Em 2020, quando foi realizada a primeira
pesquisa deste tipo, eram 19 milhões de pessoas com fome no Brasil (9,1% da
população).
Existem pesquisas feitas com a mesma metodologia a
partir de 2004, mas pelo IBGE —que desde 2018 não realizou mais o levantamento—
o que impossibilita a comparação.
O novo inquérito foi conduzido pelo instituto Vox
Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022, com visita a 12.745 domicílios
de 577 municípios nos 26 estados e no Distrito Federal.
Situação piora
Segundo a pesquisa, mais da metade (58,7%) da
população brasileira convive com insegurança alimentar em algum grau, o que
significa 125,2 milhões de brasileiros. São famílias que estão preocupadas com
a possibilidade de não ter alimento no futuro ou já passam fome.
O Ministério da Cidadania foi procurado pela
reportagem para comentar os números, mas ainda não respondeu.
O problema da fome aparece mais no campo, onde 60%
dos domicílios relataram algum tipo de dificuldade —18,6% com insegurança
alimentar grave.
·
65% dos domicílios comandados por pessoas pretas e
pardas convivem com restrição de alimentos em qualquer nível.
·
63% dos lares com responsáveis mulheres
apresentaram algum patamar de insegurança alimentar.
Um dos itens novos nesta edição da pesquisa foi a
análise da relação entre insegurança hídrica e alimentar. Das casas com
dificuldades no abastecimento de água, 42% responderam que passam por situação
de fome.
Proporcionalmente, a preocupação com o acesso a
alimentos atinge maiores parcelas da população no Norte (71,6%) e no Nordeste
(68%).
Em números absolutos, o Nordeste registra mais
pessoas com fome: são 12 milhões em situação de insegurança alimentar grave.
“Betinho estaria horrorizado, se estivesse vivo, ao
ver que voltamos a uma estaca menor que zero, nós pioramos”, diz Rodrigo
Afonso, diretor-executivo da ONG Ação da Cidadania, citando o sociólogo e
ativista dos direitos humanos Herbert José de Sousa, o Betinho, que criou
projeto contra a fome, a miséria e pela vida em 1993.
Na época, diz Afonso, eram 32 milhões de
brasileiros em risco de fome —a metodologia do cálculo, porém, era diferente.
Segundo ele, a situação atual do Brasil não pode ser explicada apenas pela
pandemia, já que os dados mostram que a fome vinha crescendo antes disso.
“A SITUAÇÃO HOJE É MUITO
GRAVE, TRÁGICA. ISSO NÃO VEM COM COVID OU COM A GUERRA DA UCRÂNIA. NA VERDADE,
A GENTE ESTÁ ALERTANDO DESDE PELO MENOS 2016.”
Kiko Afonso, Ação de Cidadania
O nível de segurança alimentar é dividido em quatro
graus:
Segurança alimentar: alcança hoje 41,3% dos brasileiros. É quando a família tem acesso
regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
Insegurança alimentar leve: atinge 28% dos brasileiros. É quando a família tem preocupação ou
incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro, com qualidade inadequada
resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos.
Insegurança alimentar
moderada: atinge 15,2% dos brasileiros. É
quando há redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos
padrões de alimentação resultante da falta de alimentos.
Insegurança alimentar
grave: atinge 15,5% dos brasileiros. É quando há redução
quantitativa de alimentos entre as crianças e/ou ruptura nos padrões de
alimentação resultante da falta de alimentos.
A pesquisa utiliza como parâmetro a EBIA (Escala
Brasileira de Insegurança Alimentar), também usada pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística).
“Horrorizados”
A pesquisadora Ana Maria Segall, que participou do
inquérito, pondera que não é possível cravar que estamos piores que em 1993, já
que a metodologia usada à época era mais restritiva e falava sobre risco de
fome —não da fome em si, como hoje. “O que podemos dizer com certeza é que está
pior que em 2004, quando as pesquisas começaram a ser feitas com essa
metodologia”, diz.
Segundo ela, desde 2018 já era possível perceber
aumento nos patamares da pobreza extrema e fome.
Para Segall, apesar de os pesquisadores esperarem
um resultado pior do que o de 2020, todos ficaram “horrorizados” com o
resultado de 33,1 milhões de pessoas com fome. “Isso nos dá um sentimento de
muita indignação. E o que mais chama atenção é a velocidade da fome,
considerando o intervalo entre um levantamento e outro.”
A pesquisa também aponta que as pessoas estão
buscando alternativas fora do convencional para tentar se alimentar.
Entre os que têm fome, 15,9 milhões citaram que
tiveram de adotar estratégias consideradas inaceitáveis ou vergonhosas para
adquirir comida. “São aquelas imagens que vemos em reportagens: pessoas atrás
de caminhão de osso, buscando alimentos nos lixões…”, lembra Segall.
Por outro lado, de acordo com o estudo, fatores
como salário e educação tiram as famílias da fome:
·
Em 67% dos lares com renda superior a um salário
mínimo por pessoa, o acesso a alimentos é “pleno e garantido”.
·
Entre as casas em que o chefe da família trabalha
com carteira assinada, 53,8% relataram segurança alimentar.
·
E 50,6% dos domicílios cujos responsáveis têm mais
de oito anos de estudos estão na mesma situação.
Disponível em: https://www.geledes.org.br/numero-de-brasileiros-com-fome-dispara-e-atinge-331-milhoes-diz-pesquisa/.
Acesso em 25/07/2022.
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