Há seis anos, quando o Brasil
vivenciava a construção do golpe que retiraria Dilma Rousseff da Presidência,
militantes de todo o país se dirigiram à Assembleia Legislativa da capital
gaúcha para reverenciar a vida de uma de nossas maiores. Naquele momento, eu me
questionava: quais condições as próximas gerações terão para dimensionar a
relevância histórica de uma mulher como Luiza Bairros?
Nos telejornais, obituários ligeiros
destacavam o fato de ela ter sido ministra da Seppir (Secretaria de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial), entre 2011 e 2015. Mas não associavam a
gestão de Luiza a conquistas marcantes para a democracia brasileira. Entre as
possibilidades, estariam o reconhecimento da constitucionalidade das ações
afirmativas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e a aprovação das
Leis n. 12.711/2012 e n. 12.990/14, no Legislativo, por meio das quais se
instituíram as cotas para o ingresso de pessoas negras e pobres no corpo
discente das universidades públicas federais e nos cargos do serviço público
federal.
As elaborações e disputas políticas
no ativismo, sobretudo desde o MNU (Movimento Negro Unificado), por meio das
quais ela ocupou postos em órgãos internacionais – a exemplo do Pnud (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e do Dfid (Departamento de
Desenvolvimento Internacional do Reino Unido) – também não foram suficientes
para que ela ganhasse mais alguns segundos no horário nobre. Não havia espaço,
portanto, para reconhecer a relevância de sua atuação para a construção dos
movimentos negro e feminista da atualidade.
Como observado pela comunicóloga e
jornalista Mara Karina Sousa-Silva, que atuou como assessora de comunicação da
Fundação Cultural Palmares, “naquele momento, a imprensa corporativa ainda
enquadrava os sujeitos e agendas da luta negra tão somente como personagens da
política do governo do PT”. Isso talvez explique por que encontramos poucos
registros das palavras-chave “Seppir” e “Luiza Bairros” nas edições impressas
de jornais como a Folha de S. Paulo, o Correio Braziliense e O Globo entre os
anos de 2010 e 2016, período de maior cobertura jornalística. O levantamento
feito na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e nos acervos virtuais dos
periódicos sediados em São Paulo e no Rio de Janeiro revelou os seguintes
números. Para a palavra Seppir:
·
Folha de S. Paulo: 11;
·
Correio Braziliense: 69;
·
O Globo: 74.
Para Luiza Bairros:
·
Folha de S. Paulo: 32;
·
Correio Braziliense: 62;
·
O Globo: 104.
A julgar pela timidez desses números,
alguém que no futuro tente compreender o trabalho realizado por Luiza Bairros
poderá ficar com a impressão de um certa irrelevância caso não atente para como
o racismo se fazia um elemento central da gestão pública e da definição de
padrões de noticiabilidade no início do século 21. Para uma análise mais
sofisticada terá que se valer de muitas outras fontes que neste momento nem
mesmo estão em arquivos públicos. por um lado, isso nos convoca a nos
posicionar sobre a maneira como esse padrão tem se alterado e/ou se mantido nos
veículos de comunicação; por outro, ilumina a relevância de iniciativas de
preservação da memória de segmentos negligenciados nas narrativas hegemônicas
sobre o Brasil.
Em anos recentes, as demandas pela
preservação institucionalizada das memórias de ativistas e organizações negras
têm se intensificado e ganhado forma. Apontam para caminhos de superação do
costume de esvaziamento da agência histórica da gente negra no Brasil o
trabalho feito por:
·
Acervo Cultne, no Rio de Janeiro;
·
Ìrohìn – Centro de Documentação,
Comunicação e Memória Afro-Brasileira, em Salvador;
·
Centro de Documentação e Memória Institucional do Geledés;
·
Casa Sueli
Carneiro, em São Paulo;
·
Arquivo Edgard
Leuenroth da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
Para essas iniciativas serem
incorporadas ao nosso repertório de lugares imprescindíveis para a reflexão
sobre a história nacional, as experiências negras ao longo do tempo precisarão
ser assim entendidas. Trata-se de uma experiência a ser encorajada como prática
do tempo presente, algo impulsionado pela garantia de espaços para o racismo e
o sexismo serem abordados a partir dos termos em que se fazem marcantes no
agora: estrutural, cotidiana e constantemente, mesmo que incapaz de anular a
humanidade dos sujeitos discriminados e interditados por essas violências.
A título de exemplo de como a
sociedade brasileira poderia ter aproveitado mais intensamente da sabedoria de
Luiza Bairros, encerro esta minha contribuição à coluna Presença Histórica com
algumas palavras dessa pensadora negra ditas a mim numa entrevista em seu
gabinete na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em 2013. São mostras dos
ensinamentos de alguém que formou muitos e muitas das pessoas que têm dado
continuidade às lutas por democracia neste país.
Disponível em: https://www.geledes.org.br/lembrar-luiza-bairros-e-reafirmar-a-relevancia-das-lutas-por-democracia/. Acesso em 14/07/2022.
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