Sentia que minha carreira estava sendo limitada pelo meu tom de pele. Ouvia que não combinava com o perfil. Ou que não seria alguém que eles promoveriam", lembra Luana Genot.
Luana conta não ter as melhores lembranças quando
buscava um emprego na área de comunicação. Mas, em vez de simplesmente ficar
com raiva, decidiu fazer algo a respeito: agora é diretora-executiva do
Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), uma ONG que ajuda as empresas a mudar
sua cultura em torno de funcionários negros.
No entanto, o início profissional na vida de Luana foi muito
diferente. Ela começou a modelar quando ainda era adolescente e morava no Rio,
e sua carreira na moda a levou por todo o mundo, de Londres a Paris, passando
pela África do Sul.
O trabalho pode parecer glamoroso à primeira vista,
mas ela conta que se sentiu excluída por causa da cor de sua pele, já que os
clientes muitas vezes não conseguiam imaginar alguém como ela representando
suas marcas.
'Falsa
democracia racial'
Mais de 50% dos brasileiros se
definem como pretos ou pardos, segundo o Censo.
No entanto, dados de 2016 mostram que
os negros ocupam apenas cerca de 6% dos cargos gerenciais e recebem em média
44% menos no geral.
"Aqui existe esse mito da
democracia racial em que todos, independentemente do tom de pele, podem ser
bem-vindos. E isso é falso", diz Luana. "A mensagem para mim foi que
este paraíso não existe. Precisamos construí-lo."
É exatamente isso que ela está
tentando fazer com seu instituto — ajudar as empresas brasileiras a serem mais
"antirracistas ativamente", em suas próprias palavras.
Ela vê o quanto empresas se
beneficiam em atrair e manter talentos negros que não conseguiriam ingressar no
mercado corporativo de outra forma.
"Isso não é um favor para os
negros. As empresas precisam desses negros para pensar em produtos e serviços
que atendem a maioria brasileira."
Mudança
no topo
As coisas começaram a mudar nos
últimos anos. A ação afirmativa encontrou terreno fértil no Brasil.
Instituições estatais e universidades públicas estabeleceram cotas para
trabalhadores e estudantes negros.
Mas para algumas pessoas, as cotas
não são suficientes para fazer a diferença. Há pouco mais de um ano, Luiza
Trajano, proprietária do Magazine Luiza, maior varejista do Brasil, decidiu
abrir seu cobiçado programa de trainee de gestão apenas para candidatos negros.
Trajano, que é branca, começou a trabalhar na pequena loja de
presentes de sua família em Franca, no interior de São Paulo, inaugurada em
1957. Ela assumiu as rédeas do negócio em 1991 e o transformou em um gigante do
varejo, vendendo de tudo, de hidratantes a MacBooks. Ela diz que as
preocupações com seu próprio viés inconsciente sobre o racismo motivaram-na a
implementar ações afirmativas em sua empresa.
A empresária lembra que em suas festas de aniversário
ou em sua casa nunca havia mulheres negras presentes. E sentiu que precisava
fazer algo sobre isso.
Trajano descobriu que 52% das pessoas que trabalhavam
para o Magazine Luiza eram negras, mas no nível gerencial esse número se
limitava a 16%.
Todos os anos, o Magazine Luiza reservava algumas
vagas no programa de trainee de gestão para negros, mas ninguém se candidatava.
Tudo mudou quando a empresa decidiu abrir uma
convocatória exclusivamente para negros. O resultado foi surpreendente: 21 mil
se candidataram a 20 vagas. A empresa também garantiu que os novos trainees
recebessem os mesmos salários que seus colegas brancos.
"Agora quando você olha os corredores da empresa, vê muito mais funcionários negros do que antes. Me parece que eles sentem que pertencem a esse lugar, independentemente do cargo", diz Trajano à BBC.
Falta de representação
As tentativas de melhorar o recrutamento e a promoção
de funcionários negros são apenas um lado da moeda. O acesso à educação pode
ser difícil para muitos jovens negros.
Alabe Nujara, que hoje trabalha para a ONG Instituto Guetto, em
São Paulo, foi um dos responsáveis pela bem-sucedida campanha de implantação de
cotas para alunos carentes em instituições federais. Quando, em 2009, se tornou
o primeiro da família a entrar na universidade, não viu ninguém lá que se
parecesse com ele.
Mas, apesar de ser um estudante e ativista de sucesso,
Nujara achou muito desafiador ser um homem negro tentando seguir uma carreira
em relações públicas. Sua impressão é que os negros têm muito mais chances em
empresas internacionais com sede no país.
Quando finalmente obteve um emprego em uma companhia
francesa, ele conta que as pessoas ficavam constantemente surpresas por ele ser
negro ao conhecê-lo. A ideia em telefonemas e e-mails era que alguém em sua
posição, fluente em francês e inglês, deveria ser branco.
E essa evidência anedótica é ecoada na pesquisa feita por
Graziella Moraes Silva, professora brasileira de sociologia e antropologia que
atualmente trabalha no "Graduate Institute", na Suíça.
De volta ao seu país de origem, ela pesquisou as
experiências de profissionais negros no Brasil.
Moraes Silva descobriu que, para muitos, a primeira
vez que se sentiram bem por serem negros em suas carreiras foi nos Estados
Unidos.
"O que, eu acho, diz algo sobre o tipo de
reconhecimento que essas pessoas não estavam recebendo no Brasil", diz
ela.
A professora assinala que o Brasil — o último país das
Américas a abolir a escravidão em 1888 — procurou projetar a imagem de um país
de ascendência mestiça, onde a cor da pele de uma pessoa não importa.
Para Luana Genot, há uma crença genuína de que o tipo
de mudança pela qual ela está trabalhando é alcançável em sua vida.
"Trabalho para não existir mais", diz ela em
tom de brincadeira.
"Em 50 anos, quero andar pelas empresas e ver
mais profissionais negros como gerentes, como diretores. Não quero mais que
essa luta seja necessária."
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61046010. Acesso em 14/05/2022
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