A renda média do brasileiro atingiu uma
mínima histórica e, para uma grande parcela de trabalhadores,
sobretudo os informais e subocupados, a remuneração mensal não chega sequer ao
valor do salário mínimo, que até o
final de 2021 estava em R$ 1.100 e subiu em 2022 para R$ 1.212.
Os brasileiros com uma renda
mensal de no máximo 1 salário
mínimo passaram a
representar desde o ano passado a maior fatia da população ocupada na divisão
por faixas de renda. Os mais atingidos pela baixa
remuneração costumam ser os trabalhadores com baixa escolaridade e que
trabalham na informalidade, fazendo os chamados "bicos" ou
"corres".
Segundo
levantamento da LCA Consultores, com base nos indicadores da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio (PNAD) trimestral do IBGE, o país encerrou 2021 com um
total de 33,8 milhões de trabalhadores (36% do total de ocupados) com renda
mensal de até 1 salário mínimo, o maior contingente já registrado na série
histórica iniciada em 2012. Em 1 ano, o salto foi de 12,2%, ou 4,4 milhões de
pessoas a mais.
Os números da
PNAD não permitem identificar quantos trabalhadores recebem menos que o piso mínimo nacional, mas revelam que
21,9 milhões tiveram renda entre 1/2 e 1 salário mínimo no trimestre encerrado em dezembro.
Outros 9,6 milhões receberam até 1/2 salário mínimo e 2,2 milhões (grupo formado
basicamente pela categoria trabalhador familiar auxiliar) não receberam nada.
"É a
necessidade de composição de renda. Como o mercado de trabalho formal não
conseguia absorver todas as pessoas, muitas delas acabaram ingressando em
ocupações informais, recebendo menos do que recebiam antes da pandemia",
afirma Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, autor do levantamento.
'Tem que ficar correndo atrás de dinheiro'
César Augusto
Pires Xavier tem 48 anos e um sonho: conseguir novamente um emprego com
carteira assinada. Desde que foi dispensado da loja em que trabalhava quando
ela faliu, há 3 anos, ele vive de bicos esporádicos que lhe garantem, no
máximo, R$ 600 no mês.
Isso não quer
dizer que ele trabalhe pouco. César rala de domingo a domingo fazendo serviços
pesados para empresas náuticas de São Sebastião, no litoral de São Paulo. Ele
raspa sujeira incrustada nos cascos, carrega embarcações pesadas e faz
trabalhos com fibra.
"É a
necessidade de composição de renda. Como o mercado de trabalho formal não
conseguia absorver todas as pessoas, muitas delas acabaram ingressando em
ocupações informais, recebendo menos do que recebiam antes da pandemia",
afirma Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, autor do levantamento.
'Tem que ficar correndo atrás de dinheiro'
César Augusto
Pires Xavier tem 48 anos e um sonho: conseguir novamente um emprego com
carteira assinada. Desde que foi dispensado da loja em que trabalhava quando
ela faliu, há 3 anos, ele vive de bicos esporádicos que lhe garantem, no
máximo, R$ 600 no mês.
Isso não quer
dizer que ele trabalhe pouco. César rala de domingo a domingo fazendo serviços
pesados para empresas náuticas de São Sebastião, no litoral de São Paulo. Ele
raspa sujeira incrustada nos cascos, carrega embarcações pesadas e faz
trabalhos com fibra.
Para garantir
alguma renda, ele percorre de bicicleta, sob sol e chuva, o caminho entre sua
casa alugada e os galpões de barcos ao longo da cidade. Ele mora com a mãe
pensionista e a irmã desempregada.
“Minha mãe tem
86 anos e minha irmã está desempregada. Tudo que eu faço é por elas. Eu me
desloco muitos quilômetros de bicicleta para trabalhar sábados e domingos e
poder ter um dinheiro pra tentar manter a casa, mas é difícil”, desabafa.
“A gente tenta
trabalhar e receber, mas às vezes termina o serviço e vai receber só depois de
4 semanas. É difícil porque quem paga não passa dificuldade, a gente é que
passa sem ter até dinheiro pra comprar gás, tem que ficar correndo atrás de
dinheiro. Minha mãe é pensionista, recebe um salário e o que ela tem é pra comprar
mantimentos pra casa, mas temos as contas.”
César conta
que não conseguiu bancar uma faculdade. Começou a trabalhar cedo e sempre
ajudou os pais em casa. Ele concluiu um curso técnico em contabilidade e sua
trajetória profissional foi toda focada em vendas.
Mesmo com anos
de experiência, já viu várias vagas abrirem e fecharem, e seu currículo nunca
ser levado em consideração. “Tem pessoas que já entregaram currículo, eu
entreguei na frente delas, elas estão empregadas e eu não. Tenho currículo no
PAT, já fui lá várias vezes, mas não sou chamado. Acho que é pela idade”,
lamenta.
Malabarismo para sustentar filha de 8 meses
Hélio Soares
Maciel, 21 anos, faz malabares com fogo nas ruas da capital paulista. A renda
varia muito, e ele vive de doações, principalmente da sogra, que o ajuda a
sustentar a mulher e a filha de 8 meses.
“Eu só
trabalho para sobreviver mesmo, pegar um dinheiro para comprar uma misturinha,
para não faltar nada em casa, compro o leite da minha filha”, diz o artista de
rua.
Hélio mora no
Jaçanã, bairro paulistano que fica na divisa com Guarulhos, e demora entre
1h30min e 2h para chegar os bairros da área nobre de São Paulo onde costuma se
apresentar em troca de contribuições.
Quando o dia de trabalho é "bom", ele consegue juntar entre R$ 60 e R$ 70. No dia da entrevista ao g1, ele disse ter recebido apenas R$ 22, valor que mal cobre os gastos com o transporte e a gasolina usada para acender os malabares.
“Gasto de aluguel R$ 350, mas minha sogra me ajuda. Gasto com
comida, compro fralda pra neném, as coisas que [a gente] precisa dentro de
casa. Cesta básica minha sogra ganha e dá pra nós", conta.
Helio não está
inscrito em nenhum programa social e não conseguiu o Auxílio Emergencial
durante a pandemia. “Ah, se aparecesse um emprego para mim, uma oportunidade,
eu ia em frente”, admite.
Com pós-graduação e fazendo bicos de cabeleireira
Para obter alguma
renda, Cleide Aparecida de Souza, de 40 anos, com curso superior e
pós-graduação em Serviço Social, passou a fazer pequenos "bicos" como
cabeleireira no bairro onde mora na Zona Leste de São Paulo.
"Quando tá dá
hora, tá tudo bom mesmo, eu chego a tirar R$ 400. Mas na maioria das vezes não
chega nem a R$ 200", afirma a assistente social, que após ter ficado
desempregada entrou nas estatísticas dos trabalhadores subocupados.
"Eu falo
que é um 'tampa buraco'. Não é renda. Não posso chegar na minha mãe e falar:
'Deixa que a conta de luz eu vou segurar'. Eu não tenho essa certeza de que
todo mês eu vou ter esse dinheiro", diz.
Fora do
mercado de trabalho formal desde 2019, ela passou a ser sustentada pela mãe
pensionista do INSS após gastar todas as suas reservas e depois do fim do
auxílio emergencial. É dos parentes que veio emprestado o laptop para procurar
vagas de emprego e fazer cursos online de especialização.
"Sempre
fui uma pessoa independente. Viajava, tinha minhas coisas, comia em
restaurante, ia na lanchonete beber umas cervejas com os amigos", afirma.
"Hoje eu não consigo comprar um sapato. O último sapato quem me deu foi
minha irmã", completa.
Perfil dos trabalhadores com renda muito baixa
De acordo com
o levantamento da LCA, dos quase 34 milhões de brasileiros com renda de até
1 salário mínimo, 49%
possuem até o fundamental completo, 40,4% têm o ensino completo ou incompleto e
10,2% chegaram a ensino superior. Na distribuição por cor, 57,2% se
autodeclararam pardos, 30,2% brancos e 12,5% pretos.
Além de serem
trabalhos sem vínculo formal e de baixa remuneração, são ocupações em que quase
nunca se sabe qual será a renda no mês.
"A
condição de trabalho é precária e muitas vezes as pessoas buscam fazer aquilo
que é chamado de bico, trabalhar por conta própria na busca de conseguir algum
tipo de remuneração. E isso tem a ver tanto com atividades de comércio de rua,
como atividades de prestação de serviços, de manutenção", explica Marcelo
Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do IPPUR/UFRJ.
Estudo
divulgado neste mês pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com a PUC-RS
e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina, apontou que 23,6% da população das
regiões metropolitanas vivem em domicílios com renda per capita de no máximo
1/4 do salário mínimo. No auge da pandemia, esse percentual chegou a
quase 30%.
"Grande
parte dessa população que tem baixos rendimentos são pessoas que trabalham
principalmente naquele tipo de trabalho que é considerado informal. Trabalhos
sem nenhum tipo de proteção social, com relações precárias, mas são trabalhos
que elas conseguem se arriscar para poder garantir algum tipo de
remuneração", destaca o pesquisador.
Salário mínimo ideal deveria ser 5 vezes maior,
diz Dieese
Mesmo para
aqueles que conseguem receber ao menos o piso mínimo nacional, o poder de
compra tem sido reduzido pela inflação. O salário mínimo de R$ 1.212 não chega a ser
suficiente para comprar duas cestas básicas por mês. Em São Paulo, o custo da
cesta básica foi de R$ 761,19 em março.
Segundo o
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
o salário mínimo ideal deveria ser de R$ 6.394,76, ou 5,28 vezes o o piso
nacional. O cálculo considera o preço da cesta básica e o mínimo
necessário para suprir as despesas de um trabalhador com uma família de quatro
pessoas com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene,
transporte, lazer e previdência.
Nos últimos
meses, o mercado de trabalho tem dado sinais de recuperação, com
queda do desemprego e interrupção da queda da renda média. Os
números do IBGE evidenciam, no entanto, que os brasileiros até estão
conseguindo algum trabalho, seja na informalidade ou como conta própria, mas
seguem sendo mal remunerados, situação que se torna ainda mais
preocupante em razão da disparada dos preços de itens como combustíveis e
alimentos.
A inflação persistente associada
à perspectiva de baixo crescimento da economia no ano limita o
ritmo de recuperação do mercado de trabalho e de recuperação das perdas da
renda média dos brasileiros. A massa de todos os rendimentos do trabalho foi
estimada em R$ 234,1 bilhões pelo IBGE no trimestre encerrado em fevereiro –
ainda R$ 20 bilhões abaixo do que o
que se registrava no pré-pandemia.
"Quando
se olha para os primeiros resultados, de janeiro e fevereiro, até vemos uma
reversão da tendência da renda real média do brasileiro, mas ainda assim num
patamar muito baixo", destaca Imaizumi, destacando que a inflação corrói a
renda e empobrece toda a população, sobretudo a da mais pobre.
"Como a
economia está estacionada, não estamos observando um processo de recuperação
econômica, e isso tem rebatimento na renda", completa Ribeiro.
Para Cleide, pelo
menos, os dias de bicos finalmente chegaram ao fim. No final de março, ela
começou a trabalhar numa ONG do bairro onde mora. A remuneração é a do piso da
categoria de assistente social, mas será o primeiro emprego com carteira
assinada depois de mais de 3 anos de procura.
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/04/19/renda-em-queda-e-vida-no-aperto-os-corres-dos-brasileiros-que-nao-ganham-nem-1-salario-minimo.ghtml. Acesso em 19/04/2022.
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