Nossa Senhora Aparecida é o nome que acabou sendo dado a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, feita de terracota, 36 centímetros de altura e 2,5 quilos, que teria sido encontrada em outubro de 1717, por três pescadores no Rio Paraíba do Sul em São Paulo.
Como a santa foi "aparecida", a alcunha logo pegou. O episódio foi considerado um milagre - e logo outros relacionados à santa foram sendo narrados. De sorte que a pequena capela originalmente erguida, em 1745, para abrigá-la passou a atrair mais e mais romeiros, e o local aos poucos se transformou em uma cidade, Aparecida.
Hoje Aparecida é o principal ponto de turismo religioso do país. Anualmente, cerca de 12 milhões de romeiros visitam o Santuário Nacional - que recebeu, aliás, os três últimos papas do catolicismo, João Paulo 2º, Bento 16 e Francisco. No feriado dedicado à santa, o local costuma ser visitado por 200 mil pessoas.
Em julho de 2013, quando visitou o Brasil, o papa Francisco celebrou uma concorrida missa no Santuário Nacional de Aparecida. Ao fim da cerimônia ele afirmou que deveria voltar em 2017 - revelando, portanto, que estava em seus planos tomar parte nas comemorações pelos 300 anos da descoberta da imagem da padroeira brasileira. Por algum tempo, muito se especulou se ele tornaria a viajar para o país.
A negativa acabou sendo justificada por problemas de agenda. Entretanto, especulou-se que ele teria declinado da possibilidade diante do cenário político instável atravessado pelo país desde o impeachment de Dilma Rousseff, ocorrido um ano antes.
Em mensagem em vídeos transmitida na missa do dia 12 de outubro de 2017, o papa criticou o "problema da corrupção do país".
Devoção nacional
E como foi que
a santinha foi parar no rio?
Conforme
aponta o jornalista Rodrigo Alvarez no livro Aparecida - A Biografia da
Santa que Perdeu a Cabeça, Ficou Negra, Foi Roubada, Cobiçada pelos Políticos e
Conquistou o Brasil, o mais provável é que alguém a tenha descartado porque
ela estava quebrada - e muitos acreditam que ter uma imagem quebrada de santo
pode dar azar.
Já a cor original da santa muito provavelmente não era negra. Ficar anos sob as águas deve ter tornado a imagem escura tal e qual a conhecemos.De acordo com especialistas, entretanto, a devoção a Nossa Senhora Aparecida demorou para se espalhar em todo o Brasil. Para o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Júnior, professor de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autor de um capítulo de livro que a Editora Paulinas prepara sobre a devoção mariana no Brasil, esta fama de Nossa Senhora Aparecida se espalhou mesmo com o trabalho realizado pelos missionários da Congregação Redentorista, que iniciaram os serviços em Aparecida em 1895.
"Lentamente, a devoção popular acabou assumida
pela Igreja Católica. O fervor foi amplificado com a chegada dos redentoristas
e, depois, com a construção da Rodovia Dutra. Estrategicamente, Aparecida fica
no meio das duas metrópoles, Rio e São Paulo", aponta o teólogo.
"Antes, a devoção estava concentrada no Vale do Paraíba e Sul de
Minas."
"Havia
uma devoção, mas não em nível nacional, como hoje", diz o historiador e
pesquisador Paulo Rezzutti.
No seu livro D. Pedro: A História Não Contada, ele relata que o
próprio primeiro imperador do Brasil visitou a igrejinha onde a santa estava
exposta. Aparecida foi uma das paradas do percurso que Pedro fez, a cavalo com
uma comitiva, entre Rio e São Paulo, em agosto de 1822.
Viagem esta que acabaria terminando com a declaração
da Independência do Brasil, às margens do rio Ipiranga.
Memorialistas populares afirmam que o monarca teria
feito uma promessa ali: se ele se tornasse governante do Brasil, transformaria
Nossa Senhora na padroeira do país.
Isto nunca ocorreu. "Em 1826, o Brasil ganhou
seu primeiro padroeiro: São Pedro de Alcântara, por solicitação de dom Pedro 1º
ao papa", conta Rezzutti. "Esse santo era de devoção particular da
família imperial. É de onde vem o nome Alcântara, que está no nome completo
tanto de Pedro 1º quanto de Pedro 2º."
Para o pesquisador e estudioso de santos José Luís
Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia, a devoção a Nossa Senhora
Aparecida só ultrapassou os limites da então Vila de Santo Antônio de
Guaratinguetá, região da descoberta da imagem, quando começaram a se espalhar
as histórias de milagres.
"Há o relato da libertação de um escravo chamado
Zacarias, preso por grossas correntes que, quando passou pela igreja construída
para abrigar a imagem da santa, pediu ao feitor permissão para rezar. Ajoelhado
diante de Nossa Senhor Aparecida, as correntes que o prendiam teriam se
soltado, tornando-se ele então livre", conta Lira.
"Essas histórias foram se espalhando."
Devoção
Não há um número consolidado sobre quantas igrejas
dedicadas a Nossa Senhora Aparecida existem no Brasil, mas certamente se trata
da santa de maior devoção popular no país.
"É muito difícil uma diocese brasileira que não
tenha pelo menos uma paróquia dedicada à padroeira do Brasil", resume
Lira. "Capelas, então, são inúmeras."
O pesquisador também acredita que a devoção à santa
venha aumentando nos últimos anos graças à profusão de canais de TV e espaços
na internet e redes sociais dedicados a espalhar a fé católica. "Há uma
valorização da padroeira", acredita ele.
Lira
ainda frisa a importância de Nossa Senhora Aparecida ser negra, à imagem de boa
parcela da população brasileira.
"Nas aparições de Maria Santíssima que foram
aprovadas pela Igreja, vemos que Nossa Senhora se tornou semelhante ao povo do
local de aparição, o que nos remete ao texto bíblico: fomos feitos à imagem e
semelhança do Pai do Céu. Aqui, a imagem veio com a cor de uma raça sofrida,
pequenina, mas, com um sorriso esboçado. Tem nosso cheiro, nossa terra, nossa
cor miscigenada", aponta o hagiólogo.
Fonte:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45796997.
Acesso em 12/10/2021.
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