“Corremos risco de ver laboratórios
fechando. É como ter uma Ferrari e deixar o motor fundir porque não se coloca
óleo”, afirmou Janine, para quem as consequências desse corte serão
“devastadoras”. Se for mantida a redução feita pela Comissão Mista de Orçamento
do Congresso Nacional a pedido do Ministério da Economia, apenas R$ 55,2
milhões serão direcionados para o MCTI.
O risco de fechamento dos
laboratórios, diz o cientista, “é algo tenebroso”. “Os laboratórios não se
atualizam, os equipamentos não são mais reparados, não se recebem mais
pesquisadores, estudantes não são mais enviados ao exterior para conhecer novas
tecnologias e novas descobertas científicas”, enumera. “Não consigo entender a
lógica disso.”
Segundo o professor titular na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a medida do
ministro-banqueiro Paulo Guedes surpreendeu toda a comunidade científica brasileira.
“Imagine o projeto estar para ser votado, na hora chega uma carta do ministro
que desautoriza tudo o que estava sendo feito, e que muda todas as coisas… Isso
não existe. É uma situação inacreditável o que aconteceu”, criticou.
Dos R$ 690 milhões previstos
inicialmente no PLN 16, R$ 200 milhões iriam complementar os R$ 250 milhões do
orçamento do Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), aberto para todas as áreas do conhecimento.
Suspensa em 2018 por falta de recursos, a chamada pública registrou 30 mil
pedidos de investimentos até 30 de setembro.
Alguns auxílios, como as bolsas RHAE,
que são bolsas de recursos humanos para atender empresas, também tiveram
recursos cortados, na faixa de centenas de milhões de reais. “Ficamos
praticamente sem financiamento para fazer pesquisa”, lamenta Janine, que foi
ministro da Educação entre abril e setembro de 2015, durante o governo Dilma, e
assumiu a presidência da SBPC no fim de julho.
Mobilização
em Defesa da Ciência
“Temos que fazer uma grande
mobilização. Já convocamos para o dia 15 próximo uma jornada”, afirmou Janine.
Coincidindo com o Dia do Professor, a Mobilização em Defesa da Ciência vai
agregar a inteligência brasileira em um movimento em defesa da CT&I e Educação
no país. “Nossa ideia é mostrar para a sociedade brasileira a importância da
ciência. Nós estamos querendo mostrar o papel decisivo que a ciência tem para o
desenvolvimento econômico e social do país”, anunciou.
Fundada em 1948 e hoje a maior entidade
representativa da ciência no país, com 3,5 mil sócios e 165 entidades
científicas afiliadas, a SBPC desempenhou um papel importante contra a ditadura
militar, em defesa da ciência e das eleições diretas. Hoje, luta contra o
negacionismo bolsonarista.
“Se o governo tivesse canalizado recursos para vacina, nós já teríamos uma
vacina brasileira. Cuba tem sua própria vacina, e o Brasil tem mais cientistas
e PIB (Produto Interno Bruto) que Cuba”, aponta Janine. “Mas, em vez disso, o
governo colocou dinheiro na cloroquina. É muito complicado isso.”
“A Alemanha é a atual potência que é
devido à ciência. O país conseguiu chegar aonde chegou porque usou muito o
resultado de pesquisas científicas”, prosseguiu o presidente da SBPC. “Se o
Brasil não for capaz de fazer isso, nós vamos ficar um país atrasado. É uma
linha divisória que a industrialização pretendia romper na década de 1960, mas
não basta ter indústria, é preciso ter conhecimento científico aprimorado.”
“Assim como a mudança na diplomacia
ambiental brasileira significou a perda de protagonismo internacional, já que o Brasil sempre
foi um país respeitado por suas políticas de meio ambiente e serenidade na
diplomacia, nós estamos tendo agora o risco de ter um apagão científico”,
ressalta Janine. “E um apagão desse é algo que acontece depressa, e, depois,
para reaver é muito demorado.”
O Brasil, lamenta o professor, está
perdendo chances gigantescas de se projetar, e não é por falta de verba.
“Existe dinheiro. Tanto que estão sendo perdoadas multas ambientais em grande
valor. O governo está abrindo mão de recursos para outras áreas. Por que ele
abre mão de multas de crimes ambientais e não canaliza esses recursos para a
ciência? É uma escolha política”, concluiu.
Descrito como uma afronta à
comunidade científica, o corte foi denunciado em carta encaminhada ao presidente
do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, pelas oito entidades que compõem a
Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) – ABC, Andifes, Confap, Conif, Confies, Consecti,
IBCHIS e SBPC. “É um golpe duro na ciência e na inovação, que prejudica o
desenvolvimento nacional”, afirmam as entidades.
Fonte: https://pt.org.br/corte-de-verba-conduz-brasil-a-um-apagao-cientifico/.
Acesso em 13/10/2021
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