Entre 2015 e 2019, esse montante de dívida cresceu
31,4%. E o valor devido pelas empresas aos Estados equivale a 13,2% do PIB
(Produto Interno Bruto) brasileiro, diz o levantamento.
São impostos, contribuições e multas que deixaram de
ser pagos pelo setor privado, registrados como dívida ativa após o fim do prazo
legal para pagamento ou após decisão final em processo administrativo regular.
As empresas negam irregularidades e dizem que os
valores são fruto de "divergências na interpretação da lei tributária"
e que ainda contestam as obrigações na Justiça.
O Atlas da
Dívida Ativa dos Estados Brasileiros foi feito a partir de dados de 17 Estados
que divulgaram seus números publicamente na internet ou mediante requisição da
Fenafisco. Não há sigilo sobre a dívida ativa, os dados são públicos, mas
alguns Estados ainda falham na transparência desses dados, conforme revelou a
dificuldade na obtenção dos números.
Segundo o economista Juliano
Goularti, autor do estudo encomendado pela entidade, o levantamento revela como
bilhões de reais em recursos públicos estão indevidamente em poder da
iniciativa privada, quando poderiam estar sendo destinados para políticas
públicas de saúde, educação e segurança pública, por exemplo.
"No Brasil, não tem crime tributário",
diz Goularti. "Se você rouba uma caixa de leite ou um pacote de bolachas,
está sujeito ao Código Penal. Mas, na tributação, você faz planejamento
tributário e elisão fiscal e não é criminalizado."
O planejamento tributário e a elisão
fiscal são manobras feitas para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros
tributos dentro da legalidade — diferentemente da evasão fiscal, que tem o
mesmo objetivo, mas por meios ilícitos.
"Nesse momento no Brasil,
estamos passando por um período longo de ajuste fiscal, de corte de despesas e
de teto de gastos, para ajustar a despesa pública. Mas não vemos uma política
ativa, tanto por parte da União, como dos Estados, para recuperar essa dívida
ativa", observa.
"Essa dívida vai crescendo ao
longo do tempo, enquanto crescem em paralelo os problemas sociais: a
desigualdade, a fome", observa Charles Alcantara, auditor Fiscal de
Receitas do Estado do Pará e presidente da Fenafisco. Segundo ele, caso a
dívida fosse recuperada, seria possível pagar 11 anos de Bolsa Família aos mais
vulneráveis com valor de R$ 400.
A média nacional de recuperação da
dívida ativa estadual gira em torno de 0,6%. "Isso chega a ser vexatório,
o Estado que é tão preocupado em honrar a dívida pública, diminuindo recursos
da saúde e educação e não combatendo a fome e a miséria para pagar seus
credores, deixa os privados que devem ao Estado sem ser incomodados",
critica Alcantara.
Goularti avalia que um dos fatores
que estimulam as empresas a não pagarem devidamente suas obrigações tributárias
é a realização recorrente de programas do tipo Refis (Programa de Recuperação
Fiscal), em que as dívidas são renegociadas a valores muito mais baixos e com
prazos longos. Como as empresas sabem que sempre vai haver uma nova edição
desse tipo de negociação, elas já fazem seu planejamento tributário contando
com isso.
Para Goularti a solução para o
problema da dívida ativa crescente é apertar o cerco na fiscalização e na
cobrança e criar regras que inibam a elisão e o planejamento tributário, como a
criminalização dessas práticas.
Ele reconhece, no entanto, que isso é
desafiador, como mostrou a tramitação da reforma do imposto de renda, que
incluía um pacote antielisão bastante ousado, cujas principais medidas — como a
tributação do patrimônio de brasileiros em offshore e alíquotas diferenciadas
sobre dividendos para paraísos fiscais — foram derrubadas pelo Congresso.
"A dívida ativa se dá a partir
de relações de poder políticas e econômicas. São lobbies muito fortes e essas
relações de poder contribuem para a formação dos estoques da dívida
ativa", diz o economista. "Por trás dessa dívida ativa existe um
conjunto de lobbies."
Confira os dez maiores devedores dos
Estados brasileiros, segundo a Fenafisco:
1) Refinaria de Petróleo de
Manguinhos (R$ 7,7 bilhões) — refinaria de
petróleo brasileira localizada no Estado do Rio de Janeiro. Entrou com pedido
de recuperação judicial (mecanismo usado para tentar evitar a falência de
empresas através de negociações com seus credores) em 2013. O processo foi
encerrado em 2020 e a empresa mudou de nome para Refit.
2) Ambev (R$ 6,3 bilhões) — cervejaria que domina cerca de 55% do mercado brasileiro e 26%
do mercado mundial, dona de marcas como Brahma, Skol, Antarctica, Stella Artois
e Budweiser, além dos refrigerantes Guaraná Antarctica e Pepsi. Tem como
controladores os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto
Sicupira. Lemann é o segundo brasileiro mais rico do mundo, segundo ranking da
revista Forbes.
3) Telefônica - Vivo (R$ 4,9 bilhões) — empresa de telecomunicação controlada pela espanhola Telefónica,
atua em telefonia fixa móvel, banda larga e TV por assinatura. Formada pela
fusão de antigas empresas de telefonias estatais brasileiras.
4) Sagra Produtos Farmacêuticos (R$
4,1 bilhões) — distribuidora de medicamentos.
5) Drogavida Comercial de Drogas (R$
3,9 bilhões) — rede varejista de
medicamentos com sede em Ribeirão Preto (SP).
6) Tim Celular (R$ 3,5 bilhões) — empresa de telefonia celular, subsidiária no Brasil da Telecom
Italia.
7) Cerpa Cervejaria Paraense (R$ 3,3
bilhões) — fabricante tradicional de
cerveja controlada pela família Seibel. Dona das marcas Cerpa Export, Cerpa
Prime, Tijuca, Draft Sound, Gold e Nevada, além de refrigerantes e do
energético Amazon Power.
8) Companhia Brasileira de Distribuição
(R$ 3,1 bilhões) — mais conhecida como Grupo
Pão de Açúcar (GPA) e controlada pelo grupo francês Casino, atua no ramo de
supermercados com as bandeiras Pão de Açúcar, Extra e Compre Bem.
9) Athos Farma Sudeste (R$ 2,9
bilhões) — distribuidora de medicamentos,
em recuperação judicial.
10) Vale (R$ 2,8 bilhões) — mineradora brasileira que é uma das maiores produtoras e
exportadoras de minério de ferro do mundo. Fundada em 1942 como Companhia Vale
do Rio Doce, foi privatizada em 1997.
O que
dizem as empresas
A BBC News Brasil procurou as
empresas para se posicionarem sobre o estudo.
A Vale informou que "cumpre
rotineiramente todas as suas obrigações fiscais", que "mantém
discussões tributárias na esfera estadual em decorrência de divergências de
interpretação da legislação tributária desses entes", e que todas as discussões
estão garantidas ou com a exigibilidade suspensa, o que lhe confere o
certificado de regularidade fiscal nessas jurisdições.
O GPA afirmou que não tem dívida em
aberto, e que todos os débitos estão em discussão judicial e devidamente
garantidos.
A Ambev afirmou que "os valores
indicados são fruto de discussões em que discordamos da cobrança e que ainda
estão em andamento nos tribunais. Considerando o porte da empresa e, ainda, por
sermos uma das maiores pagadoras de impostos do país é natural que, na soma, o
valor em discussão seja expressivo."
A TIM e a Vivo optaram por não se
pronunciar. A Refit, antiga Refinaria Manguinhos, não retornou ao pedido de
posicionamento e a BBC News Brasil tentou contato com a Sagra Produtos
Farmacêuticos, Drogavida Comercial de Drogas, Cerpa Cervejaria Paraense e Athos
Farma Sudeste, mas não obteve resposta.
Caso as empresas se manifestem, os
posicionamentos serão publicados em versão atualizada desta reportagem.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59004660.
Acesso em 22/10/2021.
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