Nenhuma
avaliação diagnóstica precisou os prejuízos totais da pandemia para a
aprendizagem dos alunos, mas há alguns estudos que ajudam a entender melhor o
cenário. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Políticas Públicas
e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a pedido da Secretaria Estadual de Educação de São
Paulo, apontou que houve piora em todas as séries avaliadas. Em
Matemática, o desempenho alcançado no 3º ano do Ensino Médio na pesquisa
amostral foi de 255,3 pontos na escala de proficiência, inferior aos 261,7
obtidos pelos estudantes ao final do 9º ano do Ensino Fundamental no SAEB de
2019. Em Língua Portuguesa, os estudantes do 9º ano registraram uma queda de 12
pontos, e os do 3º ano do Ensino Médio, de 11 pontos.
O estudo “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, realizado pelo Instituto
Unibanco em parceria com o Insper, indica que os estudantes que concluíram a 2ª
série do Ensino Médio em 2020 possivelmente iniciaram a 3ª série com uma proficiência em Matemática 10 pontos abaixo do que
iriam alcançar, caso não tivessem precisado transitar do ensino
presencial para o remoto devido à pandemia. Em Língua Portuguesa, a perda
estimada é de 9 pontos. Para referência, um aluno aprende, ao longo de todo o
Ensino Médio, em média, 20 pontos em Língua Portuguesa e 15 em Matemática.
Mesmo com
o retorno presencial, que começou a crescer
no segundo semestre, estados e municípios ainda têm muito trabalho para
identificar os reais prejuízos, dimensioná-los e encontrar caminhos e soluções
para que professores e estudantes possam retomar a aprendizagem.
Para Suelaine
Carneiro, coordenadora de Educação na Geledés, organização da sociedade civil
que se posiciona em defesa de mulheres e homens negros, “há um consenso de
que não foi possível atender todos os alunos”
na educação pública. “Os dados indicam um baixo número de participação dos
estudantes, somado à impossibilidade de os familiares acompanharem a resolução
das tarefas”, afirma. Mas não fica apenas nisso. “Em termos de aprendizagem, os
dados também mostram dificuldades no que diz respeito à compreensão e à
resolução das tarefas.”
Considerando
que a janela de tempo para estudantes do Ensino Médio é
menor, Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação
(CNE) e colunista do site da Nova Escola, sugere que as redes construam uma
boa avaliação diagnóstica. “Há muitas desigualdades que foram, de certa maneira,
expostas em função da pandemia. Vamos ter alunos que aprenderam
alguma coisa durante o ensino remoto, outros estudantes que não se adaptaram e
outros que simplesmente não tiveram acesso a ele”, pontua.
De acordo com
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 4,3 milhões de estudantes brasileiros não tinham
acesso à internet ao final de 2019, meses antes de o país ser
chacoalhado pela pandemia. Desses, 4,1 milhões eram alunos da rede pública de ensino.
Entre os estudantes da rede privada de ensino, 98,4% utilizaram a internet em
2019.
Recuperação da aprendizagem enfrenta barreiras
Juntamente com
o diagnóstico, que ajudaria gestores e professores a entender em que
ponto da aprendizagem estão os alunos para traçar a melhor estratégia de
aprendizagem para cada um, Mozart sugere um bom planejamento e a
melhoria do ensino remoto, que servirá como complemento para “dar conta desses
déficits de aprendizagem dos últimos três semestres”.
Ainda que não
exista uma forma de recuperar o tempo perdido, é possível trabalhar para
recuperar a aprendizagem. O estudo do Instituto Unibanco e do Insper indica
três ações fundamentais: a promoção de mais engajamento dos estudantes com o
ensino remoto, a adoção de alguma forma de ensino híbrido o mais rápido
possível e a prática de ações voltadas para a recuperação e a aceleração da
aprendizado e para a otimização do currículo. Com ensino híbrido e melhor engajamento dos alunos neste
semestre, os pesquisadores defendem que as perdas na aprendizagem poderão ser
reduzidas entre 35% e 40%.
Todas as ações
devem fazer parte de um planejamento integrado, que olhe não apenas para os
meses finais deste ano, mas que considere 2020, 2021 e 2022. Os países europeus chegaram a incluir até 2023 no
currículo de recuperação, além de iniciativas direcionadas para o e-learning.
O Banco Mundial apresentou ações para
apoiar a recuperação da educação em diferentes nações. E a Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo estimou em três anos o período para recuperar a aprendizagem
escolar.
De acordo com
relatório do Todos pela Educação, o Ministério da Economia fechou 2020 com o menor volume
de dinheiro em caixa desde 2011. Ao todo, R$ 143,3 bilhões foram
destinados ao Ministério da Educação (MEC) no ano passado. Como gastou menos do
que poderia, o ministério ainda acabou devolvendo R$ 1 bilhão para os cofres
públicos.
A ausência do
MEC como coordenador nacional de esforços agravou as barreiras enfrentadas
pelas escolas em meio à pandemia, segundo Mozart e Suelaine. “A ausência do MEC
demonstra negligência. Não há uma proposta, um projeto de educação, não há
compromisso”, criticou Suelaine. Para a coordenadora do Geledés, a liberação de
verbas por parte do MEC significaria uma ajuda necessária aos estados e
municípios no enfrentamento da Covid-19 nas escolas.
O membro do
CNE criticou a atitude da União de não investir na conectividade de alunos e
professores da escola pública. “Se o governo federal não tivesse executado
o veto presidencial ao projeto de lei que previa banda
larga e internet para crianças e jovens da Educação Básica,
especialmente aqueles mais vulneráveis, poderíamos ter entrado em 2021 em outra
situação, com um plano nacional de conectividade digital”, afirma Ramos.
O projeto de
lei em questão foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e, mesmo
com a derrubada do veto pelo Congresso, o chefe do Executivo editou uma Medida Provisória para não precisar pagar
os R$ 3,5 bilhões aos estados e municípios.
Questões socioeconômicas e raciais
Agravada pela
pandemia, que engrossou o número de trabalhadores desempregados,
a questão econômica foi um dos grandes fatores que
impactou a vida dos estudantes do Ensino Médio. “Temos alunos que
estão trabalhando no horário de aula, dizendo que precisam ajudar a família, e
aos fins de semana assistem às atividades”, relata a professora Lucenir
Ferreira, da Escola Estadual Mário Davi Andreazza, em Boa Vista (RR).
Lucenir conta
que muitos alunos chegam a falar que não conseguem aprender nada e desabafam
por sentir que a aprendizagem foi prejudicada, principalmente os estudantes que
estão em processo de preparação para o vestibular. Para ela, a situação de alunos negros requer ainda mais atenção.
“É preciso prestar atenção nessa condição em que a pessoa já estava vulnerável
socialmente, sem a possibilidade de realizar um isolamento dentro de casa, em
casas pequenas ou onde não têm cômodos suficientes”, contextualiza Suelaine.
O Geledés fez
um levantamento que mostra como a pandemia teve consequências maiores para a
população negra, que já ocupa piores empregos e tem remuneração mais baixa. “A
pesquisa que fizemos indicou, por exemplo, que a maior parte das famílias
negras teve acesso ao material [pedagógico] indo retirar na escola ou recebendo
pelos Correios. Não foi pela utilização das plataformas online”, explica.
A questão
da saúde mental também afetou os alunos. Uma
pesquisa do Datafolha, encomendada pela Fundação Lemann – mantenedora de NOVA
ESCOLA – e Instituto Natura apontou que, entre estudantes negros e mais pobres, os índices daqueles
que se sentiram mais tristes, agitados, nervosos e com dificuldade para dormir
foram mais altos do que entre jovens brancos e com famílias de renda superior a
5 salários mínimos. Enquanto 36% dos estudantes brancos indicam
estar mais nervosos, o índice é de 46% entre negros. Dois a cada dez estudantes
brancos relatam maior dificuldade para dormir, proporção que chega a três a
cada dez entre os jovens negros. E 14% dos alunos negros disseram ter ficado
doentes mais vezes durante a pandemia, enquanto o mesmo ocorreu com 9% dos
brancos.
“A grande
maioria sente um desestímulo e um vazio muito grande. Agregado a isso, tivemos
perdas de colegas e professores que eram referências na vida deles”, conta a
professora. “Este ano, em nossa escola, perdemos nove profissionais – nem todos
devido à Covid, mas é muito impactante a perda de cada colega nesse trajeto.”
Suelaine
sugere que as escolas pensem em ações de acolhimento e para refletir como
conviver com o luto. “Temos um grande número de estudantes que são órfãos,
temos avós que estão cuidando de netos. Existe uma situação de convivência
intrafamiliar que precisa de um olhar atento”, afirma.
Apesar dos
desafios, Suelaine acredita que os impactos não são irreversíveis, como outros
especialistas têm apontado. “Você pode recuperar dois anos se tiver políticas
públicas, compromisso público com a educação, de forma a desenvolver diferentes
ações”, diz ela.
Como fica o Novo Ensino Médio?
Para Mozart,
do CNE, a implementação do Novo Ensino Médio, que
começa neste ano, pode ser possível com bom planejamento e articulação do
governo federal junto às redes estaduais. “O MEC precisa entender que tem de
coordenar essa ação na esfera nacional”, diz ele. “É papel constitutivo do
ministério.”
O Novo Ensino Médio prevê uma reformulação do currículo
com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa aos alunos. Em
Roraima, onde a professora Lucenir leciona, o documento curricular foi aprovado
recentemente, mas as escolas, segundo ela, já vêm trabalhando para implementar
as mudanças. “Estamos trabalhando em cima da BNCC [Base Nacional Comum
Curricular], foram feitas muitas formações e lives para que pudéssemos nos
apropriar dessa proposta”, conta.
Mesmo com
todos esforços, Ramos alerta que “não será simples, mas é preciso fazer,
planejar e trabalhar para que isso aconteça”.
Fonte:
https://www.geledes.org.br/ensino-medio-na-pandemia-como-recuperar-a-aprendizagem/.
Acesso em 13/09/2021.
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