A expressão, criada por Plínio
Salgado (1895-1975), abriu o Manifesto de Outubro, em 7 de outubro de 1932.
O documento, redigido pelo
próprio jornalista, definia as diretrizes ideológicas do integralismo, versão
brasileira do fascismo italiano e de seus similares europeus, e é considerado a
"certidão de nascimento" do movimento.
Quase 90 anos depois, no dia 8
de junho de 2021, a frase foi resgatada por Paulo Fernando para abrir seu
discurso de filiação ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em julho, mais
duas importantes lideranças neointegralistas, Moisés José Lima e Lucas
Carvalho, se filiaram ao partido presidido pelo ex-deputado federal Roberto
Jefferson para disputar as próximas eleições.
Não é a primeira vez que
neointegralistas tentam aproximação com partidos políticos de direita, como o
Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), de Enéas Carneiro
(1938-2007), e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), de Levy
Fidelix (1951-2021).
Quem explica é Odilon Caldeira Neto,
doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
"Os neointegralistas buscam construir alianças para articulações mais amplas. O discurso contrário à democracia liberal é, muitas vezes, um grande obstáculo para as pautas integralistas. Mas essa relação existe. E, ultimamente, tem crescido", afirma Odilon, autor de Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo (2014) e coautor de O Fascismo em Camisas Verdes - Do Integralismo ao Neointegralismo (2020), em parceria com Leandro Pereira Gonçalves.
Os 'herdeiros' de Plínio Salgado
Os mais novos filiados do PTB são integrantes da Frente Integralista Brasileira (FIB), o maior, mais ativo e organizado dos três grupos neointegralistas surgidos na década de 2000.
Os outros dois são a Ação Integralista Revolucionária (AIR), de intensa atuação virtual, e o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B), de forte conotação antissemita. Segundo estimativas, o número de militantes da FIB gira em torno de 200, em sua maioria homens.
"É natural que exista, entre os neointegralistas, um movimento de disputa em torno de uma certa legitimidade para suas atividades. Eles se apresentam como herdeiros legítimos de um movimento que, no século 20, agitou parcelas significativas da sociedade", observa Odilon.
"Eu não diria que eles são herdeiros de Plínio Salgado. Mas, herdeiros de toda a complexidade que permeia o integralismo, inclusive de lideranças como Miguel Reale (1910-2006) e Gustavo Barroso (1888-1959). É um movimento voltado para o futuro, mas com os olhos fixos no passado".
O insight para criar o integralismo surgiu em 1930 durante uma viagem de Plínio Salgado à Europa. Ele fazia parte da comitiva que, no dia 14 de junho, conheceu Benito Mussolini (1883-1945), o então primeiro-ministro italiano, em visita ao Palácio Venezia, em Roma.
O encontro não durou mais do que 15 minutos, mas foi tempo suficiente para inspirar Plínio Salgado a adaptar o fascismo italiano à realidade brasileira e criar o maior movimento de extrema direita da história do país.
"Contando eu a Mussolini o que tenho feito, ele achou admirável o meu processo, dada a situação diferente de nosso país. Também como eu, ele pensa que, antes da organização de um partido, é necessário um movimento de ideias", relatou Plínio Salgado em carta de 1936.
Suas ideias, nacionalistas e conservadoras, ganharam vida em 6 de maio de 1932, quando sugeriu a criação de um novo grupo, a Ação Integralista Brasileira (AIB). Passados seis meses, a AIB foi oficialmente lançada no dia 7 de outubro de 1932.
"Uma organização pautada no cristianismo e com forte discurso anticomunista, antiliberal e, em alguns casos, antissemita", resume Leandro Pereira Gonçalves, doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Na fase áurea do integralismo, Plínio Salgado gostava de repetir, cheio de si, que a AIB tinha "um milhão de integrantes". Entre eles, alguns adeptos famosos, como o militar João Cândido (1880-1969), o historiador Câmara Cascudo (1898-1986), o poeta Vinícius de Moraes (1913-1980), o lutador Hélio Gracie (1913-2009) e o ativista Abdias do Nascimento (1914-2011).
Em 1946, Plínio Salgado confidenciou ao genro, Loureiro Júnior, que o total de filiados era, para ser sincero, bem mais modesto.
"Não é vergonha nenhuma sermos 200 mil e, sabendo que não passamos disso, não incorreremos em erros perniciosos", admitiu em carta.
'O soldado de Deus e da pátria'
Independentemente do número de
integrantes, todo e qualquer filiado era obrigado a obedecer às regras e a
seguir rituais.
"Juro por Deus e pela
minha honra trabalhar pela Ação Integralista Brasileira, executando, sem
discutir, as ordens do Chefe Nacional e dos meus superiores" era o
juramento que o militante tinha que prestar - com o braço direito levantado e
na frente de um retrato de Plínio Salgado e de, pelo menos, dez integralistas -
no momento da filiação ao partido.
Uma das normas a serem seguidas
dizia respeito ao uniforme, composto por camisas verdes de mangas compridas e
colarinhos e punhos abotoados.
Todo filiado - apelidado de
"camisa-verde" em alusão aos "camisas-negras" italianos -
deveria usar matéria-prima nacional, ou seja, brim ou algodão. Calças brancas
ou pretas, gravatas pretas e lisas, um gorro verde de duas pontas e uma fivela
dourada completavam a indumentária. As mulheres, chamadas de blusas-verdes,
usavam camisas verdes e saias pretas ou brancas.
Se algum integralista fosse
flagrado consumindo álcool, dançando ou jogando, seria punido com uma falta
disciplinar grave. Se fosse preso, deveria pedir licença à polícia para, no ato
da prisão, retirar a camisa - a não ser que a prisão tivesse caráter político;
neste caso, o integralista poderia exibir o figurino com orgulho patriótico.
Em hipótese alguma o uniforme
deveria ser usado como fantasia de Carnaval. "Era proibição máxima",
explicam os autores de O fascismo em camisas verdes.
E, por falar em blusas-verdes,
sim, as mulheres eram aceitas na organização. Como a família era a "celula
mater" da sociedade, o papel delas era estratégico: gerar futuros adeptos
e educá-los na filosofia integralista. Enquanto os maridos participavam de
reuniões, desfiles e marchas, suas esposas cuidavam dos afazeres de casa e
zelavam pela formação dos "plinianos".
Nas horas de lazer, os homens
eram estimulados a praticar esportes, escalar times de futebol e participar de
torneios esportivos. Alguns núcleos, como o de Porto Alegre, chegaram a ter
suas próprias equipes, o Bolão Futurista.
Já as mulheres eram orientadas
a fazer cursos, como datilografia, puericultura - área da pediatria que cuida
do desenvolvimento infantil - e boas maneiras.
Inspirados nas cerimônias
católicas, os "camisas-verdes" criaram seus próprios rituais de
batismo, casamento e funeral. Os membros do clero, o principal braço religioso
do movimento, ganharam o apelido de "batinas-verdes".
O mais famoso foi o então
sacerdote e futuro arcebispo emérito de Olinda e Recife Dom Hélder Câmara
(1909-1999). No batizado integralista, a criança, depois de receber o
sacramento, era envolta na bandeira da AIB. Em seguida, pais e padrinhos, todos
uniformizados, gritavam: "Ao futuro pliniano, o seu primeiro Anauê!".
Toda sede do movimento era
decorada com uma foto do fundador Plínio Salgado, um relógio de parede com a
frase "Nossa hora chegará!" e um cartaz com os dizeres: "O
integralista é o soldado de Deus e da pátria, homem novo do Brasil que vai construir
uma grande nação".
Ao longo dos anos, os
camisas-verdes, com o objetivo de alfabetizar futuros eleitores, fundaram
escolas integralistas. Para doutrinar corações e mentes, criaram bens de
consumo, como balas, cigarro e creme dental, e lançaram jornais, como A Ofensiva,
e revistas, como Anauê, Panorama e Brasil Feminino.
Para comemorar o Natal, a maior
festa cristã, uma versão 100% brasileira do "Bom Velhinho": o Vovô
Índio, "um senhorzinho amigo das árvores" e "vestido com penas
de passarinhos". "O Papai Noel era negado pelos integralistas porque
simbolizava o capitalismo", explica Leandro, autor de Plínio Salgado: Um
Católico Integralista Entre Portugal e o Brasil (2018) e coautor de O Fascismo
em Camisas Verdes - Do Integralismo ao Neointegralismo (2020), em parceria com
Odilon Caldeira Neto.
'Nosso Brasil vai despertar!'
Muito além do uniforme, Plínio
Salgado, o chefe supremo do movimento, pensou em tudo: de lema a símbolo, de
saudação a hino. O lema "Deus, pátria e família", por exemplo, fazia
alusão, respectivamente, a "quem dirige o destino dos povos",
"nosso lar" e "o início e o fim de tudo".
Já a saudação
"Anauê!" - pronunciada com o braço direito levantado, num gesto que
remete ao cumprimento nazista - pode ser traduzida, em tupi, como "Você é
meu parente!". Para os indígenas, era um grito de guerra. Para os
integralistas, uma manifestação de alegria. "Era pronunciada com voz
natural, quando individual, e com voz clara e decidida, quando coletiva",
explica Leandro.
Uma curiosidade: os
integralistas, quando se cumprimentavam, tinham direito a um Anauê; os
dirigentes, a dois; Plínio Salgado, a três e Deus, a quatro. Em público, só o
dirigente supremo, ou seja, o próprio Plínio Salgado, tinha autorização para
saudar Deus.
O símbolo do partido era a
letra grega Sigma: Σ. Na matemática, ela usada como notação para o somatório.
No integralismo, representa o projeto de um Estado único e integral.
Onipresente, o símbolo era usado para decorar tudo: da braçadeira do uniforme
integralista até utensílios de cozinha, como pratos, xícaras e talheres.
O refrão do hino, composto pelo
próprio Plínio Salgado, anunciava: "Avante! Avante! / Pelo Brasil, toca a
marchar / Avante! Avante! / Nosso Brasil vai despertar". Os integralistas
não cantavam a segunda parte do Hino Nacional Brasileiro por discordarem do
trecho da letra de Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927) que diz:
"Deitado eternamente em berço esplêndido!".
Último lugar nas urnas
A Ação Integralista Brasileira
(AIB) teve vida curta: fundada em 1932, foi extinta apenas cinco anos depois
pelo Estado Novo. O nome de Plínio Salgado chegou a ser indicado pela maioria
dos filiados como candidato à Presidência da República, em 1938. Mas, em troca
da promessa de ocupar o Ministério da Educação, ele desistiu de disputar a
eleição para apoiar a candidatura de Getúlio Vargas (1882-1954).
Não deu certo. Quando assumiu,
em 1937, Vargas extinguiu todos os partidos políticos. A AIB, inclusive.
Indignados, os integralistas
organizaram dois levantes: o primeiro em 11 de março e o segundo em 11 de maio
de 1938. Ambos fracassaram. Alguns revoltosos foram sumariamente fuzilados.
Acusado de conspiração, Plínio
Salgado foi preso - ele e outros 1,5 mil membros do partido - e, em 22 de junho
de 1939, exilado em Portugal, onde permaneceu até 1946.
"O integralismo não chegou
ao fim com a extinção da AIB", pondera Leandro. "Suas ações políticas
continuaram no período da ilegalidade".
Durante seu autoexílio, Plínio
Salgado procurou se "reinventar". Aboliu o discurso autoritário e
adotou um tom religioso. Na volta ao Brasil, fundou uma nova sigla, o Partido
da Representação Popular (PRP).
"Um fascismo
democrático", define Leandro.
Em 1955, disputou a Presidência
do Brasil, mas só obteve 714,3 mil votos. Com 8% do total, terminou em último
lugar, atrás de Juscelino Kubitschek (35%), Juarez Távora (30%) e Adhemar de
Barros (25%).
Com o fim do PRP, Plínio
Salgado migrou para a Aliança Renovadora Nacional (Arena), onde exerceu seus
dois últimos mandados como deputado federal.
Durante a ditadura, criou a
disciplina escolar conhecida como Educação Moral e Cívica. O fundador e
dirigente supremo do integralismo morreu em 8 de dezembro de 1975, aos 80 anos,
vítima de infarto. Segundo a doutrina que ele próprio ajudou a criar, não
morreu. Foi transferido para a milícia do além, onde passou a receber ordens
diretamente de Deus.
face radical do
integralismo
O integralismo não terminou com
a extinção da AIB. Muito menos com a morte de seu fundador, Plínio Salgado.
"O universo da extrema
direita brasileira foi objeto de nossas monografias, dissertações, teses e
artigos. Mas, nos últimos anos, nossos objetos de pesquisa se tornaram mais
ativos, visíveis e radicalizados", alerta Leandro.
Um dos exemplos recentes da face
radical do neointegralismo é a invasão, no dia 30 de novembro de 2018, da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) por militantes do
grupo Comando de Insurgência Popular Nacionalista (CIPN).
Dias depois, em um vídeo
postado no YouTube, onze homens encapuzados e vestidos de preto, com uma
bandeira do Brasil no lado esquerdo do peito, chamaram o ato de "ação
revolucionária" e queimaram os cartazes e as bandeiras antifascistas
roubados na instituição. Não foi um ato isolado.
Na noite de 24 de dezembro de
2019, véspera de Natal, outro grupo arremessou coquetéis molotov na fachada da
sede da produtora Porta dos Fundos em Botafogo, Zona Sul do Rio.
Algumas horas depois, outro
vídeo - com três homens encapuzados e vestindo camisas verdes com o Sigma - foi
divulgado nas redes sociais. Nele, o grupo assumia a autoria do ataque, que
teria sido motivado pelo especial natalino A Primeira Tentação de Cristo,
lançado na Netflix, que retratava Jesus como homossexual.
"Para nós, esse ataque
parecia ser algo de fácil entendimento. Mas, percebemos que existia uma demanda
de conhecimento crítico e aprofundado sobre o tema na sociedade, que desejava
conhecer a história do fascismo na História do Brasil", explica Odilon.
Membro da Frente Integralista
Brasileira (FIB) e filiado ao Partido Social Liberal (PSL), Eduardo Fauzi foi
apontado como um dos responsáveis pelo ataque à sede da produtora Porta dos
Fundos.
Flagrado por câmeras de
segurança, fugiu para a Rússia no dia 29 de dezembro de 2019, mas foi capturado
por agentes da Interpol no dia 4 de setembro de 2020.
Em um dos endereços de Fauzi, a
polícia apreendeu, entre outros livros, um exemplar de O pensamento revolucionário de
Plínio Salgado (1988), de Augusta Garcia Rocha Dorea, e outro de O imbecil coletivo (1996),
de Olavo de Carvalho.
Sobre o integralismo, o
ideólogo do governo Bolsonaro já declarou: "uma dessas esquisitices
ideológicas que reaparecem em tempos de crise e desorientação moral como uma
espécie de sarampo", postou em seu perfil no Facebook, em 20 de novembro
de 2017.
Dez dias depois, foi mais
sucinto: "Pela milésima vez: integralismo é babaquice", tuitou.
O mais longe que um
integralista assumido chegou no atual governo foi em 30 de dezembro de 2019
quando Paulo Fernando Melo da Costa, integrante da Frente Integralista
Brasileira (FIB), foi nomeado assessor especial do Ministério da Mulher,
Família e Direitos Humanos, de Damares Alves.
Conhecido por defender a
abstinência sexual e desencorajar mulheres a praticar aborto, entre outras
propostas conservadoras, foi exonerado do cargo um ano de cinco meses depois de
nomeado.
Em 21 de novembro de 2019, o
partido Aliança pelo Brasil, criado para abrigar o presidente Jair Bolsonaro e
seus apoiadores, pegou o lema integralista emprestado. "Nossa força é o
Brasil! Aliança pelo Brasil. Deus, pátria, família", postou Bolsonaro nas
redes sociais. A estratégia não surtiu o efeito desejado. Até o momento, a
legenda só conseguiu coletar 119,3 mil (24%) das 491,9 mil assinaturas
necessárias para a criação de um partido. Os números são do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
"O lema 'Deus, pátria e
família' é mais um esforço bolsonarista na leitura sobre valores, inspirações e
imaginários do nacionalismo de direita brasileiro. É a tentativa de sintetizar
a diversidade da história da extrema direita em torno de um eixo estruturante.
Acontece que o bolsonarismo, seja pelo uso de estratégias diversificadas, seja
por causa de objetivos distintos, não pode ser considerado um bloco
monolítico", afirma Odilon.
Em O fascismo em Camisas Verdes, seus autores admitem que
há alguns traços em comum entre o governo Bolsonaro e o fascismo histórico:
"o conservadorismo", "o anticomunismo", "o uso das
teorias de conspirações" e "a visão de mundo baseada na diferenciação
entre amigos e inimigos".
"Jair Bolsonaro tem várias
características partilhadas com o caldo cultural e político da extrema direita
brasileira, cujo integralismo é uma das principais caracterizações, sobretudo
na matriz fascista", observa Leandro.
"Não diríamos que é um integralista
ou neointegralista, mas que partilha de diversos componentes desse caldo e
dessas experiências, que transcendem ao campo institucional das organizações
integralistas, gerando um diálogo aberto e mútuo".
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-58205709.
Acesso em 22/08/2021.
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