O filme se passa em meio à
guerra travada por grupos rebeldes contra a União Soviética (URSS), que tinha
invadido o país. Rambo (Sylvester Stallone) vai até lá para resgatar seu antigo
mentor, o coronel Trautman, que havia sido capturado pelos soviéticos durante
uma missão.
Rambo está na fronteira com o Paquistão.
Ao seu lado, o afegão que o ajuda a entrar no território afegão explica que
muitos já haviam tentado conquistar o país e falhado: Alexandre, o Grande,
Gengis Khan, o Reino Unido — e, agora, era a vez dos soviéticos.
Ele comenta então que os
afegãos são um povo que luta bravamente e que nunca será derrotado: "Um
antigo inimigo fez uma oração. Ela diz: 'Meu Deus, livrai-nos dos venenos das
cobras, do dente do tigre e da vingança dos afegãos'. Entendeu o que
significa?".
Três décadas depois, o mundo assiste ao
avanço do Talebã após a retirada das Forças Armadas dos Estados Unidos. O grupo
extremista voltou ao comando do Afeganistão 20 anos depois da invasão
americana.
As sementes do que tem sido
descrito como derrota histórica da maior potência militar do mundo foram
plantadas na época que é retratada pelo terceiro Rambo.
Foi com o apoio dos Estados
Unidos que os rebeldes, conhecidos como mujahideen, venceram os soviéticos, que tinham
invadido o Afeganistão em 1979. A insurgência contra os invasores, que
começaram a se retirar do país em 1988, desaguaria na formação do Talebã em
meados dos anos 1990.
Sidney Ferreira Leite, doutor
em História Social e professor de Relações Internacionais das Faculdades Rio
Branco, explica que os americanos deixaram a região em segundo plano depois da
retirada dos soviéticos e não contribuíram para tornar o Afeganistão uma nação.
Os diferentes clãs e tribos do país travaram uma guerra civil até os talebãs
chegarem ao poder, em 1996.
"Neste sentido, Rambo 3 é um documento histórico do fracasso da política externa dos Estados Unidos e do projeto americano de ser um farol para o mundo", diz Leite.
Uma história de invasões e conflitos
O Afeganistão é um palco
histórico de conflitos. Seja por causa da geografia — está no encontro entre a
Ásia e o Oriente Médio —, seja pela importância econômica — com suas rotas
comerciais, campos de papoula e, hoje, oleodutos.
A história afegã é uma história
de invasões. Seu território foi dominado por diferentes povos e impérios, como
a Babilônia e os macedônios. As invasões árabes a partir do século 7 levaram o
Islã à região.
As disputas geopolíticas foram
marcadas pelas invasões e o domínio britânico, de meados do século 19 até o
início do século 20. Em dezembro de 1979, vieram os soviéticos, a pretexto de
combater guerrilheiros que ameaçavam levar à URSS a luta em nome do Islã.
Rambo 3 mostra esforços dos americanos contra os
soviéticos no Afeganistão, "um país que muitos nem conseguem encontrar no
mapa", como diz o coronel Trautman.
No filme, que é um dos vários filmes da
época em que Hollywood promovia o nacionalismo e exaltava a supremacia dos
americanos sobre vilões (muitas vezes soviéticos) colaborando para fortalecer e
expandir o softpower dos Estados Unidos, americanos vão até lá para ajudar a
defender os afegãos de um massacre soviético. Os rebeldes, por sua vez, são
apresentados como guerreiros que lutam a favor da liberdade.
"Para nós, essa guerra é
sagrada, e não há morte verdadeira para os mujahideen, porque nós já fizemos nossos últimos
ritos. Já nos consideramos mortos", diz um líder rebelde ao explicar o
conflito no país para Rambo. "Para nós, a morte por nossa terra e por
nosso Deus é uma honra. Portanto, meu amigo, o que devemos fazer é parar com a
matança de nossas mulheres e crianças."
Os Estados Unidos apoiaram esses grupos e ajudaram os insurgentes com equipamentos e armas militares, diz Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). "O (presidente Ronald) Reagan chegou a receber eles na Casa Branca e os chamou de guerreiros da liberdade", recorda.
A volta do Talebã
Poggio avalia que o erro cometido pelos
americanos foi, assim como em outras partes do mundo, olhar para o conflito sob
a lente da disputa entre capitalismo e comunismo, comum no contexto da Guerra
Fria.
"Os Estados Unidos
cometeram um equívoco e acharam que o inimigo do seu inimigo era seu amigo, e
houve grupos que se aproveitaram dessa visão americana um pouco ingênua",
diz Poggio. "Não levaram em conta que o país tem uma lógica tribal e não a
de um Estado nacional, organizado segundo o modelo ocidental. Os códigos são
distintos."
Foi no vácuo de poder criado
pela retirada soviética que os rebeldes travaram uma guerra civil que
terminaria com o Talebã no poder. "Ninguém deu muita bola ao que estava
acontecendo ali até que dois aviões se chocaram contra as Torres Gêmeas",
diz Poggio.
O Talebã foi derrubado por
forças americanas que invadiram o Afeganistão após os ataques da Al-Qaeda nos
Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, sob a alegação de que o país dava
apoio e abrigo ao líder da organização, Osama Bin Laden, mentor dos atentados.
Mas agora, o grupo voltou
rapidamente ao governo depois que Estados Unidos, Reino Unido e outros países
que formavam a aliança militar que interveio no país retiraram suas tropas.
"Quando olhamos não só
para o Afeganistão, que continua tão caótico quanto há 20 anos, mas também para
Iraque, Síria e Líbia, vemos o fracasso desse modelo americano de fazer valer
sua democracia sobre sociedades que têm forma de organização completamente
diferente", diz Sidney Ferreira Leite, das Faculdades Rio Branco.
Ele avalia que, tanto no final
dos anos 1980 quanto agora, os Estados Unidos largaram o país em condições
instáveis. "Tinham que ter dados passos além de uma ação estritamente
militar que acabou fomentando grupos terroristas que já existiam", diz
Leite.
Finais alternativos
Rambo 3 foi considerado em seu lançamento o filme mais caro já feito
até então, com um orçamento estimado em US$ 63 milhões.
"O filme fecha a era
Reagan e reconstitui no imaginário coletivo, depois da derrota na Guerra do
Vietnã, um Estados Unidos vitorioso, o amanhecer de um país que retoma seu
lugar como uma potência", diz Leite.
O longa faturou US$ 189 milhões
em bilheteria, mas foi um fracasso de crítica — é de longe o pior avaliado dos
cinco filmes da franquia no site Rotten Tomatoes, com a aprovação de só 45% dos
espectadores.
Sempre que os conflitos no
Afeganistão estão nas manchetes, costuma circular em fóruns e nas redes sociais
uma mensagem polêmica, dizendo que uma cena no final do filme original teria
sido mudada após os ataques de 11 de setembro. A mensagem diz que o texto
original, que aparece sobre uma imagem de combatentes, teria sido "Esse
filme é dedicado aos corajosos combatentes mujahideen do Afeganistão".
Mas na verdade, essa mensagem é
mentirosa - e a imagem que a acompanha, uma montagem -, como mostram uma crítica
publicada pelo jornal The New York Times e outros registros da
época. A cena final original do filme traz os dizeres: "Esse filme é
dedicado ao valente povo do Afeganistão".
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-58239214.
Acesso em 18/08/2021.
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