E "cringe". Cringe, caso você já não saiba, significa vergonha alheia, uma adaptação do termo em inglês.
A guerra geracional entre os Z e os millennials que
bombou entre os americanos no início do ano chegou à internet brasileira na
semana passada, depois de um tuíte sobre o assunto viralizar.
Os nascidos após 1996 deixaram claro o que acham dos
adultos dos anos de 1981 a 1996: se tomam café da manhã, reclamam dos boletos a
pagar, usam calça skinny e emoji genérico para rir, a vergonha é grande.
Se
também tivessem gargalhado, os adolescentes de agora teriam rido apenas
KKKKKKKKKKK. Ou teriam recorrido a outra forma corrente do riso:
LIWAHDFIWAKHDWQ.
Sim, isso mesmo. Ligue a caixa alta e sente a mão no
teclado. O que sair é jogo. Esse tipo de risada altamente aleatória - uma
subversão da onomatopeia, por que não? - denota mais graça ainda.
Emoji de risada, por outro lado, é coisa de gente velha.
Mais ou menos quando o "nariz" em emoticons denunciava a idade do
interlocutor. :-)
Tendência
ou não, o "KKKKKKKK" não é novo. Aliás, é velhíssimo. Essa gargalhada
- que quando lida em voz alta, deve soar como um gostoso "kakakakaka"
- é usada pelo brasileiro há pelo menos mais de 150 anos. Mas era algo mais
para os vagarosos "cá cá cá", "quiá quiá quiá" ou "quá
quá quá".
Temos algumas evidências disso.
A primeira está em "Til", romance regionalista
de José de Alencar (1829-1877) publicado em 1872 que se passa em uma fazenda no
interior de São Paulo. O livro conta a história de Berta, uma menina acolhida
pela viúva Nhá Tudinha.
Em um trecho, Nhá Tudinha aparece "debulhando-se em
uma risada gostosa". "Não fazia a menina um trejeito, nem dizia uma
facécia, que a viúva não se desfizesse em gargalhadas."
"— Ai, menina!... Quiá!... quiá!... quiá!... Já se
viu, que ladroninha?...", diz um trecho.
Uma
rápida busca no acervo de jornais mostra a gargalhada na "Secção
Livre", onde eram publicados comentários, discussões religiosas ou
políticas e casos pessoais n'A
Província de São Paulo, jornal que antecedeu o Estado de S. Paulo. O texto é do dia 20 de fevereiro
de 1884:
"O mió de tudo nhô dotô é mecê se calá e não buli
n'essas vergonha (...) Quiá, quiá, quiá, cá, cá, cá!!!", diz o comentário
que faz troça de um caso polêmico com uma advogado no interior paulista.
No mesmo ano, Machado de Assis (1839-1908) registrava o
riso "cá cá cá" no conto "A Segunda Vida": "Então, o
Diabo, escancarando uma formidável gargalhada: 'José Maria, são os teus vinte
anos.' Era uma gargalhada assim: — cá, cá, cá, cá, cá... José Maria ria à
solta, ria de um modo estridente e diabólico."
Monteiro Lobato (1882-1948) também colocou a onomatopeia
na boca de personagens em dois contos de "Urupês". O livro, de 1918,
é notório por ter dado origem ao icônico Jeca Tatu.
"Toda gente gozou do caso, entre espirros de riso e
galhofa", diz um trecho do conto "Um Suplício Moderno", sobre o
personagem Izé Biriba, um pobre estafeta (espécie de carteiro), que fazia
correspondência entre cidades não conectadas por ferrovia. Biriba se lamenta
por haver transportado um bode para só depois descobrir que era para um inimigo
seu, e é alvo de risos. "Trazer o bode da oposição! Quiá! quiá!
quiá!", ele ouve de interlocutores.
Na Folha
da Manhã, uma crônica chamada "Um Homem que Ri", publicada em
1926, diz o seguinte: "Quem foi o tolo que afirmou que a humanidade deve
meditar e crer, chorar e sonhar? Que patetice é essa, em pleno século XX? A
humanidade só deve rir. A vida, no fundo, não passa de uma grossa piada. Quá,
quá quá!"
Ok,
já deu para entender. O "quá quá quá" era a maneira corrente de
expressar riso.
E um dos espaços onde estava presente é terreno fértil para onomatopeias no Brasil e no mundo: as histórias em quadrinho.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-57612393. Acesso em 25/06/2021.
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