Figuras de macaco. Rostos de gorila. Bananas. Ofensas à cor de pele da mãe. “Preto”. “Neguinho”. Zombaria por causa do cabelo. “Mono [macaco em espanhol] de merda”.
No final de semana em que parte do
futebol europeu decidiu boicotar as redes sociais por acreditar
que elas fazem pouco para combater o racismo, os jogadores brasileiros têm
muitos motivos para protestar.
Levantamento feito pela Folha nas
contas de Instagram dos atletas do paÃs que atuam na elite do continente mostra
que 23% dos que liberam de forma irrestrita os comentários em suas fotos
receberam ao menos uma mensagem racista nesta temporada, iniciada em agosto de
2020.
A pesquisa englobou as cinco principais competições nacionais de acordo
com o coeficiente da Uefa (federação europeia): Alemanha, Espanha, França,
Inglaterra e Itália.
São 105 jogadores brasileiros em clubes
de primeira divisão nesses paÃses. Desse total, 18 decidiram bloquear a conta
(o que exige pedir autorização para seguir), não permitir comentários ou
utilizar o filtro oferecido pelo Instagram para restringir interações. Um dos que fizeram isso foi Neymar, que tem 149 milhões
de seguidores.
Dos 87 que mantiveram as contas abertas,
20 receberam ao menos um comentário de cunho racista.
O conteúdo discriminatório pode estar disfarçado,
mesmo que seja de fácil entendimento. “Da favela e contra as ideias do seu
presidente, bem coisa de n….”, escreveu em espanhol um usuário para o lateral
Marcelo, do Real Madrid, sem explicações se a referência era ao presidente do
Brasil, Jair Bolsonaro, ou ao mandatário do clube, Florentino Pérez.
“Todas as vidas importam, seu preto”,
recebeu o atacante Wesley, do Aston Villa (ING).
Há também as ofensas após resultados
ruins. Poucas horas depois da derrota do PSG para o Manchester City na última
quarta (28), pelas semifinais
da Champions League, uma postagem do zagueiro Marquinhos recebeu
comentários com figuras de macacos.
Em união dos clubes, federações,
associações de atletas, torcedores e emissoras de TV, o futebol inglês iniciou
na sexta (30) um boicote de quatro dias às principais redes sociais (Facebook,
Instagram e Twitter). A Uefa se alinhou à medida, que também recebeu mensagem
de apoio da Fifa.
Pilotos de F1, como Lewis Hamilton, George Russell e Lando Norris,
representantes de outros esportes populares na Inglaterra, como rúgbi, ciclismo
e crÃquete, foram outros que aderiram
ao protesto, assim como a Federação Internacional de Tênis (ITF).
“As plataformas [das redes sociais] têm o
botão para filtrar ou não filtrar [comentários]. Elas têm atitudes mais
proativas do que tinham anos atrás e estão tentando identificar isso”, afirma o
advogado Renato Opice Blun, especialista em direito digital e proteção de
dados.
“As redes sociais antes apresentavam uma
justificativa de que seriam apenas os intermediários entre o ofendido e o
ofensor. Isso não se sustenta, porque cada vez mais as plataformas têm desenvolvido
funções no sentido de construÃrem a esfera pública”, diz Juliana Abrusio,
advogada e professora da Faculdade de Direito do Mackenzie, em São Paulo.
Entre as ligas pesquisadas, o maior percentual de ofensas
ocorreu na Espanha, onde, dos 15 jogadores com Instagram aberto para
comentários, 7 foram alvos de racismo (46,6%). Dos cinco atletas do Real Madrid
—Marcelo, Vinicius Jr, Eder Militão, Rodrygo e Casemiro—, só Militão não passou
por isso.
Na França, 33,3% dos jogadores
brasileiros receberam ofensas racistas, mais do que na Inglaterra (24%),
Alemanha (16,6%) e Itália (4,3%), considerados os que têm perfil aberto.
“A inserção dos negros nessa modernidade
esportiva é sempre da periferia para o centro. Esse sujeito deslocado para a
periferia é para ser invisÃvel. Quando ele aparece no centro, é como se fosse
um invasor, não deveria estar ali. Então ele desperta um conjunto imenso de
estranhamentos, fantasias e delÃrios em outras pessoas. A partir daà aparecem
os xingamentos”, diz Neilton Ferreira Junior, doutorando em estudos
socioculturais do esporte pela Escola de Educação FÃsica da USP (Universidade de
São Paulo).
Para o diretor-executivo do Observatório
da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Medeiros Carvalho, o volume de
ofensas nas redes sociais também tem relação com a postura de governantes. “O
aumento do discurso de ódio vindo de lÃderes como presidentes e
primeiros-ministros, no Brasil e no exterior, encoraja os torcedores para que
eles se sintam à vontade para proferir esses discursos de ódio”, afirma.
Carvalho aponta, ainda, que a
impossibilidade de ter torcida nos estádios devido à pandemia de Covid-19 tem
feito os torcedores “descarregarem todo ódio, frustração e preconceito nas redes
sociais”.
“Os comentários nas redes sociais estão
cheios de ódio e, acima de tudo, racismo. Não podemos alimentar essa cultura.
Não podemos aceitar isso. Temos de lutar sempre. Somos maiores e melhores do
que isso”, reagiu o volante Fred, do Manchester United, ao constatar ter
sido chamado de “macaco” em um comentário.
Consultados pela reportagem, Instagram e
Facebook (pertencentes à mesma empresa) afirmam em nota conjunta, que entre
outubro e dezembro do ano passado, as plataformas agiram com relação a 33
milhões de mensagens identificadas como discurso de ódio, sendo que 95% delas
foram encontradas antes que qualquer denúncia fosse feita.
“Ninguém deveria sofrer abusos, em
qualquer lugar, e é contra nossas polÃticas assediar ou discriminar pessoas no
Instagram ou no Facebook. Concordamos e já avançamos em muitas das sugestões
propostas pela comunidade do futebol, incluindo medidas mais severas contra as
violações de nossas regras em Mensagens Diretas. Também anunciamos recentemente
que, em breve, disponibilizaremos novas ferramentas, desenvolvidas com base em
conversas com atletas e especialistas em antidiscriminação, para ajudar a
evitar que as pessoas vejam mensagens abusivas de desconhecidos.”
Sobre o boicote iniciado por federações e clubes de futebol na Europa,
o Twitter diz que, desde o inÃcio da atual temporada no Reino Unido, houve 30
milhões de postagens sobre futebol, das quais 7.000 foram removidas por
violação das regras da empresa.
“Trabalhamos para melhorar nossas medidas
proativas e removemos, sem necessidade de denúncia, 90% dos abusos direcionados
a jogadores. Além disso, fornecemos canais de denúncia rápida para nossos
parceiros de futebol, garantindo que qualquer conteúdo potencialmente violador seja
analisado e acionado rapidamente.”
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