Ser avaliado ou avaliada o tempo
todo como não pertencente a um espaço pelo tom da pele e pela construção do
imaginário coletivo que criminaliza, animaliza e inferioriza a população negra
não é algo simples. É difícil, e o BBB 21 acaba, infelizmente, apresentando
nitidamente um desserviço para nós, população negra. O programa também precisa
ser observado, analisado e responsabilizado.
O BBB permitiu que as torturas
psicológicas chegassem ao ponto em que chegaram. Um jovem negro (Lucas) contra
toda a casa (com exceção de poucos, especialmente de Sarah). A soma da aparente
permissividade do programa com a perversidade dos participantes é inaceitável.
Em tempo de pandemia, da ampliação do debate racial, em especial após a morte
de George Floyd, e em que todos e todas nós, negros, brancos, indígenas e
pessoas em nível global, precisamos cuidar das nossas mentes, os impactos de um
programa como este podem ser gigantescos. A quem serve tanto gatilho contra a
nossa saúde mental?
São tantos os
pontos decepcionantes. Desde a edição do programa que parece privilegiar os
artistas convidados, omitindo, por exemplo, o comportamento de Pocah e Karol na
saída de Lucas —acusando-o de usar a sua bissexualidade como
estratégia de jogo— até o vazamento do áudio de Boninho chamando o participante
excluído de monstro para Projota. Ou seja, comprovando que há interferência e
que o programa pode, sim, reduzir danos. A audiência não pode ser construída a
partir da dor. Já estamos adoecidos.
São mais de seis meses de seleção.
E fica a pergunta: será que os personagens foram escolhidos e selecionados a
dedo para que esse caos fosse armado? Preocupa-me ainda o cancelamento destas
vidas negras —que importam sim!— na internet. Os negros do BBB não representam
todo o Brasil. Projota, Karol Conká, Lumena, Pocah e Nego Di fazem
parte das contradições da negritude do nosso país.
Nós, negros e negras, também temos
contradições. Os debates de colorismo, gayfobia, desrespeito à religiosidade,
bullying, punitivismo, foram muito mais evidenciados pelos negros desta edição.
Parafraseando Lumena (que odé a proteja, porque o revés aqui fora vai ser
pesado), isso me dói num lugar muito profundo. É triste ver o comportamento dos
participantes e o cancelamento na internet. O público só fala da postura
abusiva de Karol, do tom passivo-agressivo de Projota, da desinformação de Nego
Di, da conveniência de Pocah e da falta de equilíbrio de Lumena, que não está
militando de forma respeitosa. Nem o orixá da justiça escapou.
A trama racial posta nesta edição
vem para mostrar que, sim, somos diferentes. Mas ela também acaba por gerar
ainda mais ódio racial.
Que os nossos ancestrais tomem
conta de todos nós. Será um 2021 difícil para a população negra, ainda mais
após esta encomenda de discórdia racial. É a própria justificativa do “não
somos racistas” que pessoas efetivamente racistas, conservadoras e elitistas
querem impor. Não quero mais a síndrome do preto único nos espaços, mas
acredito que ainda precisamos aprender a identificar as armadilhas quando
estamos em maior número. Por fim, Gilberto é negro, é nordestino, é vigor. Em
um tempo como este, precisamos disso: leveza.
Por: Midiã Noelle - Jornalista, mestra em cultura e sociedade pela UFBA, idealizadora da COMMBNE (Comunicação Baseada em Inovação, Raça e Etnia), líder do Programa Marielles do Fundo Baobá e colunista do jornal Correio.
Fonte: https://www.geledes.org.br/bbb-21-desservico-e-contribuicao-ao-odio-racial/
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