Por: Jânio Roque Barros de
Castro.
No Brasil não temos montanhas na verdadeira acepção da palavra.
As projeções abruptas e pontiagudas que correspondem aos dobramentos modernos,
como a Cordilheira dos Andes, inexistem no extenso território brasileiro, que,
do ponto de vista das unidades geológicas, apresentam bacias sedimentares e
escudos cristalinos. Chamamos de serras as cristas residuais escarpadas,
agrupadas ou não, arredondadas ou recortadas, que destoam no campo visual do
observador mesmo a distância. Vistas de longe parecem ser azuis.
Observadas de perto, nota-se que
sua cor pode variar sazonalmente: diferentes tons de verde no período de
chuvas, entremeados pelas cores acizentadas dos afloramentos rochosos ou dos
solos, que podem apresentar tons de amarelados a depender da composição ou
tipologia (a exemplo dos latossolos das áreas tropicais).
No caso específico da Serra do
Aporá, destacada nessa foto, a primeira quinzena do mês de dezembro é final de
primavera, portanto é período de estiagem e a vegetação está seca. Partindo-se
do topo dessa imponente forma de relevo, aqui usada como referente geográfico,
pode-se ver, olhando no sentido leste (em direção a cidade de Cruz das Almas),
que a vegetação está mais verde. Ao voltar nosso campo visual no sentido oeste
(na direção da cidade de Cabaceiras do Paraguaçu), nota-se que a vegetação vai
se tornando mais seca e esparsa.
Trata-se portanto de um área de
interface fitogográfica que se esboça visualmente. Ao lado da serra passa uma
estrada vicinal que acessa um um povoado, que integra a área territorial de
Cabaceiras, chamado de Tupiaçu, na qual se nota claramente os elementos
paisagísticos que caracterizam uma área de caatinga: cactáceas em conjunto,
solos pedregosos, estiagem sazonal mais severa.
Nesse conjunto paisagístico
nota-se um outro elemento destoante, que também pode ser visto claramente do
topo da serra: o rio Paraguaçu, que nasce na Chapada Diamantina, região central
da Bahia, atravessa parte do semiárido baiano e deságua na Baía de Todos os
Santos, transitando por uma área de climas tropical sub-úmido e úmido do
Recôncavo baiano. O espelho d’água se projeta visualmente sobretudo por causa
do barramento de Pedra do Cavalo. Avista-se a área urbana de Cruz das Almas,
uma importante cidade do Recôncavo baiano.
No dia 8 de dezembro, data na
qual os católicos prestam homenagens a Nossa Senhora da Conceição em vários
municípios nordestinos, tradicionalmente, dezenas de pessoas sobem em procissão
a Serra do Aporá, na zona rural de Cabaceiras no Paraguaçu, na região do
Recôncavo baiano. São pessoas de diferentes idades e com diferentes níveis de
fé. Há aqueles/aquelas que consideram essa subida uma prática devocional. No
entanto, muitos vão apenas pelo lazer, por curiosidade ou porque consideram a
escalada ao aclive por um trajeto sinuoso e pedregoso uma prática mais
esportiva e lúdica que uma manifestação de natureza religiosa.
No topo edificou-se uma pequena
igreja e um cruzeiro nos quais os crentes católicos acendem velas e oram,
buscando assim uma ligação com a dimensão espiritual. De onde teria vindo essa
tradição? Muitas práticas religiosas tem um mito fundador ou ato inicial
relacionado a especificidades locais, todavia, em muitas dessas situações
destaca-se as influências de outros contextos que tem origem em trechos
bíblicos e se constituiriam em práticas de reatualização, como destacou o
historiador Mircea Eliade, em algumas obras clássicas no século passado. A
manifestação religiosa pode ter uma origem e uma dinâmica ligada tanto a
questões locais/regionais, quanto a uma dimensão bem mais alargada, ou até
mesmo as duas situações. Todos os anos eu subo a serra para fotografar,
conversar, observar, aprender.
Jânio Roque Barros de Castro - Professor Titular da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Doutor em Geografia pela Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Foto 1 - extraída da internet. Foto 2 - arquivo do professor Jânio Roque.
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