A História do Futebol Feminino no Brasil





Contar a história do futebol feminino brasileiro é mais do que lembrar gols, vitórias, derrotas, lances marcantes e seus personagens. É falar sobre resistência, descaso e barreiras quebradas. É lembrar períodos de proibição, preconceito e amadorismo. É impossível contar essa história sem falar da maior de todos os tempos, da única jogadora eleita seis vezes a melhor do mundo: a Rainha Marta. Conheça a trajetória da modalidade que em um século passou de atração de circo a celeiro de talentos.

Anos 20 e 30 - O começo

As primeiras referências de partidas de futebol disputadas por mulheres surgiram nos anos 20. Os registros de jornais mostram a prática, ainda de forma muito tímida, no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Norte.

Pode parecer piada, mas o circo traz algumas das primeiras referências do uso das palavras "futebol feminino". Era tratado como uma performance, um show. Não uma partida.

1940 - A primeira aparição

Até a década de 40, o futebol entre mulheres era longe de clubes ou grandes ligas. O que se sabia era de prática em periferias. Não há registros de uma seleção. Apesar de ainda não ser proibida, a modalidade era considerada violenta e ideal apenas para homens.

Em 1940, o cenário ameaçou mudança. Foi quando houve jogos entre mulheres no Pacaembu, por exemplo. Em vez de fomentar a prática, essa visibilidade gerou revolta em parte da sociedade. As notícias sobre mulheres jogando futebol provocaram esforços da opinião pública e autoridades da época para a proibição.

1941 - A proibição

A primeira proibição ocorreu através de um processo de regulamentação do esporte no Brasil. Criou-se o CND (Conselho Nacional de Desportos). Na época, sob a alçada do Ministério da Educação.

Em 1941, se debatia muito profissionalização e amadorismo. Ainda de forma rasa. Foi assim que a temática dos esportes femininos se tornou uma demanda do CND. Foi então instituído um decreto-lei (3199, art 54). O texto trazia de forma mais geral que as mulheres não deveriam praticar esportes que não fossem adequados a sua natureza. Apesar de não ser citado nominalmente, o futebol se enquadrava.

1965 - Proibição detalhada

Em 1965, já no governo militar, o decreto-lei é novamente publicado. Desta vez, de forma mais detalhada. Assim como em 1941, circulam novas notícias de mulheres jogando futebol de forma clandestina. Por conta da proibição, há poucos registros. Desta vez, a deliberação cita especificamente a modalidade.

DECRETO-LEI N. 3.199 - DE 14 DE ABRIL DE 1941 - CAPÍTULO IX: DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompativeis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.

1979 - Fim da proibição

Apenas no fim da década de 70 foi revogada a lei que proibia as mulheres de jogarem futebol. É o início de uma nova jornada para a modalidade entre as mulheres.

O fim da proibição, no entanto, não muda tudo da água para o vinho. O futebol feminino não recebe estímulo de clubes e federações. Ainda não foi regulamentado e segue enfrentando proibições pelo país

1983 - Regulamentação

Apenas em 1983 a modalidade foi regulamentada. Com isso, foi permitido que se pudesse competir, criar calendários, utilizar estádios, ensinar nas escolas. Clubes como o Radar e Saad surgem como pioneiros no profissionalismo. Eram alguns dos times competitivos da época.

1988 - Torneio experimental

Em 1988, a Fifa realizou, na China, um Mundial de caráter experimental. Em inglês, foi chamado de Women's Invitational Tournament. A seleção montada para a competição tinha como bases o Radar, do Rio, e o Juventus (SP) - que tinha talvez o time mais forte feminino do país naquele momento. Não houve nenhuma confecção especial de roupas para as jogadoras. Viajaram para o Mundial com as sobras das roupas dos homens.

Foi um torneio que serviu de pontapé para o desenvolvimento da modalidade feminina em todo o mundo. Ao todo, 12 seleções participaram, e o Brasil ficou com bronze nos pênaltis.

1991 - Primeira Copa FIFA

É o ano da primeira Copa do Mundo Fifa de Futebol Feminino. A CBF assumiu o time oficialmente, mas o tratamento ainda era muito amador. O Brasil viajou com boa parte das atletas que disputaram o torneio experimental. Pretinha, ainda muito jovem, também fez parte da seleção comandada pelo técnico Fernando Pires.

O Brasil teve menos de um ano de preparação. Foi eliminado logo na primeira fase. A zagueira Elane marcou o primeiro gol do país em torneios Fifa, na vitória diante do Japão. A equipe, no entanto, perdeu jogos para Estados Unidos e Suécia.

1996 - Primeira Olimpíada

Os Jogos de Atlanta marcaram a estreia do futebol feminino em Olimpíadas. A seleção brasileira, repleta de veteranas da geração anterior, terminou na quarta colocação, ficando muito perto do pódio. Com Meg, Marisa, Fanta, Suzy, Sissi, Pretinha, Roseli e outras, a equipe deixou a medalha escapar na disputa pelo bronze diante da Noruega. Perderam por 2 a 0.

1999 - Primeira medalha FIFA

Eis a primeira medalha em Copas do Mundo. Ainda tratada com muito amadorismo no país, a seleção feminina se superou. Na disputa nos EUA, o time era formado por veteranas e nomes de uma geração que começava a se formar.

A seleção teve resultados expressivos logo na primeira fase: 7 a 1 no México, 2 a 0 na Itália e um empate surpreendente com a Alemanha. O gol da vitória sobre a Nigéria nas quartas, marcado por Sissi, é lembrado até hoje como um dos mais bonitos da história dos Mundiais. O Brasil acabou perdendo a semifinal para os EUA, mas ganhou da Noruega nos pênaltis na disputa pelo bronze. Referência daquela equipe, Sissi foi uma das artilheiras do torneio.

2003 - Prazer, Marta

A primeira Copa do Mundo da Rainha Marta. Ainda garota, a futura melhor jogadora do mundo já chamava atenção entre as jogadoras mais experientes. Aquele, aliás, seria o primeiro Mundial também da atacante Cristiane.

Durante a competição nos Estados Unidos, o clima ruim entre elenco e o técnico Paulo Gonçalves era nítido. Havia muitos questionamentos sobre a metodologia de trabalho. O Brasil foi eliminado nas quartas de final para a Suécia. O Mundial contou com a presença da ex-jogadora Milene Domingues. Apesar de atrair atenções por ser casada na época com Ronaldo Fenômeno, ela não foi utilizada pelo treinador durante os jogos. No mesmo ano, o Brasil foi medalhista de ouro no Pan de Santo Domingo.

2004 - A medalha olímpica

Com Pretinha, Marta, Formiga e Cristiane no elenco, o Brasil chega à medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 2004, na Grécia. Foi início de uma geração que se tornaria a mais vitoriosa do Brasil. A conquista dava esperança de um crescimento sustentável da modalidade no país, mas, até aquele momento, nenhuma competição nacional organizada se mantinha. O cenário iria mudar apenas três anos depois.

2006 - Marta encanta

Para orgulho brasileiro, Marta levava seu primeiro troféu como melhor do mundo.

2007 - A melhor Copa

O ano de 2007 teve um novo suspiro de esperança em relação ao futebol feminino no Brasil.

Em julho, no Pan do Rio, o Maracanã lotou para ver uma exibição de gala de Marta e companhia na final contra os EUA, que não viajaram com sua equipe principal. A medalha de ouro conquistada com goleada por 5 a 0 marcou um dos grandes momentos da modalidade no país.

Em setembro, na China, o Brasil ficou com a segunda colocação na Copa do Mundo feminina, perdendo para a Alemanha na decisão. No torneio, Marta fez aquele que considera seu gol mais bonito.

No mesmo ano, a Rainha conquistava novamente o título de melhor do mundo, acumulando duas taças.

2008 - Mais uma prata

O Brasil chegou novamente a uma decisão olímpica. Acabou derrotado na decisão pelos Estados Unidos e ficou com a prata. As americanas chegavam a sua terceira medalha de ouro no torneio olímpico feminino de futebol. A Alemanha garantiu a terceira colocação na edição de 2008.

Para orgulho brasileiro, Marta levava pela terceira vez o troféu de melhor do mundo.

2009 - Libertadores

O ano de 2009 teve a primeira edição da Libertadores feminina. O título da competição disputada em outubro ficou com o Santos, que tinha nada menos do que Marta e Cristiane em sua escalação. Esta última, aliás, foi a artilheira com 15 gols. O torneio teve 10 equipes, uma de cada país membro da Conmebol. Na mesma temporada, o Santos também levou a Copa do Brasil. O Botucatu foi o vice-campeão.

E de novo ela. Marta era eleita pela quarta vez a melhor do mundo.

E de novo ela. Marta era eleita pela quarta vez a melhor do mundo.

2010 - Mais uma vez Marta

2014 - Seleção permanente

Enquanto a Copa do Mundo masculina ocorria no Brasil, a seleção feminina iniciava um novo ciclo com Vadão no comando da equipe feminina, com o objetivo da disputa da Copa do Mundo de 2015 e Jogos Olímpicos de 2016. Foi criada a seleção permanente para colocar em atividade jogadoras que estivessem sem um calendário preenchido.

2015 - Mais um título no Pan

Ano de 2015, ano de Copa do Mundo feminina. A seleção feminina segue sua preparação à disputa no Canadá. Após uma primeira fase de alto desempenho, o Brasil caiu logo nas oitavas em jogo diante da Austrália. O troféu ficou com os Estados Unidos em vitória diante do Japão. Em razão da conquista, Carli Lloyd foi eleita a melhor do mundo na temporada - ela terminou como maior goleadora ao lado de Celia Sasic, da Alemanha, ambas com seis gols.

Logo depois, o Brasil disputou os Jogos Pan-Americanos também no Canadá e garantiu o título no futebol feminino.

2016 - Jogos Olímpicos em casa

Nove anos depois do Pan, a seleção feminina volta a jogar diante de estádios lotados em casa. Na primeira fase, o rendimento da equipe enche os olhos, e cresce a expectativa por uma medalha, que aumentou ainda mais após a vitória sobre a Austrália nos pênaltis nas quartas. Porém, duas derrotas seguidas para Suécia (esta nos pênaltis) e Canadá deixaram a equipe fora do pódio.

Vadão acabou deixando o comando e, em novembro, Emily assumiu como treinadora, a primeira mulher a treinar uma seleção brasileira principal.

2017 -A vez dos clubes

Após apenas 10 meses de trabalho, Emily acabou demitida do cargo de técnica da seleção, e Vadão retornou para mais um ciclo. Fora dos gramados, a Conmebol tomava a decisão de obrigar os clubes que desejam disputar suas competições no masculino a terem times femininos a partir de 2019. O caminho foi seguido pela CBF.

Vadão acabou deixando o comando e, em novembro, Emily assumiu como treinadora, a primeira mulher a treinar uma seleção brasileira principal.

2018 -De novo ela

Após boa temporada no Orlando Pride, Marta ganha mais um título de melhor do mundo.

2019 - É Ano de Copa!

Tem início uma nova realidade no futebol feminino. Os clubes começam a cumprir a obrigatoriedade de terem times femininos e povoam a disputa do Brasileiro Série A2. O São Paulo lança um forte projeto e anuncia a contratação de Cristiane, que retorna depois de atuar no exterior. A TV Globo anuncia a transmissão pela primeira vez dos jogos da seleção brasileira feminina em uma Copa do Mundo. O futebol feminino ganha corpo.

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