Quem já não ouviu de um fanático religioso a frase coercitiva "Jesus morreu pelos seus pecados!”, uma frase que parece nos colocar em dívida com Deus. A frase parece ter a intenção de nos fazer sentir em falta com o “Criador” se não frequentamos uma determinada religião. De fato, no início da vida de Jesus (Mt 1, 18-24), o evangelista deixa claro que quem irá nascer será aquele “que vai salvar seu povo de seus pecados”. Mas sejamos sinceros: Jesus nos salvou do que?
Se analisarmos o desenvolvimento da humanidade depois de Jesus Cristo encontraremos uma história de derramamento de sangue em nome ou não de Deus, de escravidão negra, de extermínio de povos na América e África, de duas grandes guerras somente no século 20 e hoje não temos uma sociedade sem pecados, sejam eles individuais ou sociais. Então, do que Jesus nos salvou?
O problema está na pergunta formulada e não na resposta. A pergunta não pode ser feita no pretérito, mas no presente: Jesus nos salva do que? Esta pergunta possui muito mais relação conosco do que com Deus. Deus já fez a sua parte. Jesus é um paradigma, um modelo a ser seguido, o caminho, a verdade de Deus e, portanto, a vida. Cabe a cada um de nós seguir ou não este modelo, viver como salvo ou como condenado. E quando eu falo em seguir ou não este modelo não está falando em ser adepto de uma religião ou não. A questão está relacionada a valores. Se lermos com atenção os Evangelhos veremos que ao vivermos os valores pregados e vividos por Jesus encontraremos um caminho de salvação não somente individual, mas também coletiva.
Ao vivermos como Jesus somos salvos de muitos aspectos destrutivos da vida. Jesus nos salva da hipocrisia. Jesus é uma pessoa verdadeira e que critica (principalmente os religiosos da época) todos que constroem relações baseadas na falsidade ou nas conveniências sociais. Jesus nos ensina que, ao vivermos na sinceridade e na veracidade, construímos uma vida segura para todos. Jesus nos salva do individualismo, pois Ele se envolve em todas as circunstâncias que lhe aparecem pela frente. Jesus mostra que não existe neutralidade, esta é uma ilusão criada pelo ser humano. A partir do momento em que tomo ciência de algum fato, estou envolvido e, a partir deste momento, cabe a mim a decisão de ser omisso ou me comprometer com ele. Jesus nos salva da indiferença social. Ele se coloca do lado dos pobres, marginalizados, miseráveis, moralmente excluídos, ao lado das mulheres e crianças. Jesus nos salva do “pré-conceito”de qualquer espécie nos mostrando que cada ser humano deve ser respeitado e nenhum deve ser excluído por ser estrangeiros, mulher, portador de deficiências ou qualquer outro motivo. Jesus chega ao ponto de dizer aos fariseus que as prostitutas os precederão no Reino dos Céus.
Por fim, Jesus nos salva da alienação. Por isso, Jesus coloca como mandamento maior amar ao próximo como a ti mesmo. Para viver isso é necessário que eu reflita o que é amar e como expressar o meu amor em cada circunstância. Como desejo ser amado? Assim devo amar as pessoas. Amar é deixar que o outro possa se desenvolver da sua forma e não da maneira que eu gostaria que fosse. Enfim, para amar eu preciso me conhecer melhor, conhecer o outro, conhecer a lógica de nossa economia capitalista, o sistema de corrupção em nosso país, a política educacional que temos o sistema único de saúde pública, a política do governo atual, etc.
Amar ao próximo não é romantismo ou uma ideia platônica. Amar ao próximo começa com um processo sério de desalienação e termina na ação concreta, na atitude política, no posicionamento contra toda forma de exploração e a favor da vida. Isso é salvação.
Por Padre Beto
♦ Padre Beto é escritor, cronista e filósofo. Formado em direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE), em história pela Universidade do Sagrado Coração (USC) e em teologia pela Ludwig-Maximillian, de Munique (Alemanha).
Fonte: carosamigos.com.br
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